O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) protocolou nesta quinta-feira (27), junto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, um Requerimento de Informações (RIC) para obter detalhes sobre a licitação aberta pela pasta, neste mês, para a compra de ferramenta de espionagem. Trata-se do Pregão 3/2021, que teria por objetivo comprar o polêmico software Pegasus, da empresa israelense NSO Group, que seria usado para espionar e perseguir opositores.
De acordo com reportagem do portal UOL publicada no último dia 19, a compra do programa e a abertura da licitação teriam sido articuladas pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) dentro do que vem se chamando de "Abin paralela", em referência à Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Isso porque o pregão teria sido aberto em detrimento da própria Abin, a responsável pelos serviços de inteligência, junto ao Ministério da Justiça, a mando do filho do presidente Jair Bolsonaro.
Conforme explicado pelo professor Bruno Huberman no blog Terra em Transe, na Fórum, "o NSO Group é uma empresa bastante obscura cujos softwares já teriam sido usados pelos governos do México e da Arábia Saudita para vigilância política. Além, é claro, de palestinos e demais inimigos israelenses".
"Embora o Pegasus não seja um software recente, a novidade reside na sua capacidade de hackear um celular por meio de apenas uma ligação não atendida ao seu WhatsApp, permitindo o acesso até mesmo a conteúdo criptografado, além das suas mensagens, ligações, localizações, fotos, câmera e microfone. Isto é, o usuário não precisa ser iludido a ativar o hackeamento do seu próprio aparelho, mas o vírus se ativa de forma autônoma. O Pegasus seria capaz de invadir até mesmo Iphones, considerados os aparelhos mais seguros, o que a Apple nega", afirma Huberman, que dá aulas no curso de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
No Requerimento de Informações encaminhado ao Ministério da Justiça, Ivan Valente ressalta que "a violação de sigilo telefônico ou de qualquer outro meio de comunicação sem autorização judicial é absolutamente inconstitucional e jamais poderia ser almejada por qualquer órgão público".
O deputado ainda traz notícias que mostram como a NSO Group estaria envolvida em escândalos de espionagem, processos e articulações em todo o mundo que envolvem perseguições e, inclusive, mortes. "A pretexto de criar ferramentas contra o crime e o terrorismo, o grupo busca falhas em sistemas ou ferramentas de comunicação para explorá-los ou vendê-los a agências de segurança, com o objetivo de espionagem. Para alguns, a NSO atua como uma revendedora de armas cibernéticas, acusação que a empresa já enfrentou no passado", pontua.
Com base em inúmeros relatos e evidências sobre a forma como o programa espião é usado, Ivan Valente encaminhou ao Ministério da Justiça 8 perguntas e solicitações, entre elas o envio da cópia do edital de licitação para a compra do software, estudos que fundamentariam a intenção de compra, além do motivo que levou o vereador Carlos Bolsonaro, que não tem cargo no Executivo, a participar das tratativas.
"Trata-se de situação absolutamente incompatível com o Estado Democrático de Direito e por isso é imprescindível que esta casa solicite imediatamente as informações constantes do presente Requerimento", declara o psolista.
Confira a íntegra do Requerimento de Informações aqui.
"Contratação ilegal"
Também preocupadas com a possível compra do programa de espionagem, 5 organizações não governamentais (Conectas, Instituto Igarapé, Instituto Sou da Paz, Rede Liberdade e Transparência Internacional - Brasil) protocolaram nesta quarta-feira (27), no Tribunal de Contas da União (TCU), uma denúncia apontando irregularidades no pregão aberto pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Segundo o documento, assinado pelos advogados Juliana Vieira dos Santos, Gabriel de Carvalho Sampaio, Lucas Moraes Santos e Rodrigo Filippi Dornelles, "estamos diante de contratação ilegal, por via inadequada, de sistema potencialmente lesivo à coletividade, que permitirá coleta indiscriminada e indevida de informações, inclusive podendo servir a interesses políticos escusos".
As entidades pedem ao TCU a suspensão imediata do pregão, apontando três possíveis irregularidades: inadequação da modalidade de licitação escolhida (serviços dessa complexidade não podem ser caracterizados como "comuns", e portanto não podem ser licitados pelo "menor preço" sem qualquer análise técnica); usurpação de competência e violação do princípio da legalidade (o órgão do Ministério da Justiça e da Segurança Pública responsável pela licitação tem o papel exclusivo de formulação e gestão de políticas de segurança pública, sem poder de polícia); e ilicitude do objeto (sistema que será usado para vigilantismo, incompatível com Estado Democrático de Direito e com possível caracterização de desvio de finalidade).
"Preocupa pelos diversos relatos de utilização de sistemas como esse contra cidadãos comuns, ativistas e pessoas que simplesmente sejam opositoras ao governo da vez. Há inúmeros relatos de abusos na utilização desses tipos de sistema ao redor do mundo", destacam as organizações.