Ontem (terça-feira, 28 de abril), data que marcou o Dia da Trabalhadora Doméstica, não houve muito o que se comemorar. Uma pesquisa realizada pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) divulgada esta semana apontou que a categoria é uma das que mais sofreu com os severos impactos econômicos desencadeados pela pandemia do coronavírus. Os dados analisados pelo órgão foram extraídos do Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE.
Antes da crise sanitária, no quarto trimestre de 2019, o Brasil tinha 6,4 milhões de trabalhadores(as) domésticos(as) em atividade. No mesmo período do ano seguinte, esse número foi reduzido para 4,9 milhões, o que mostra o fechamento de 1,5 milhão de postos de trabalho nesse ramo, dos quais 92% são ocupados por mulheres.
Diferentemente de outras atividades profissionais, em que a média dos ocupantes com carteira assinada é de aproximada 75% dos trabalhadores, entre as domésticas esse índice é de apenas 23% (antes da pandemia era de 25%).
Um dado que chama igualmente a atenção é o do viés racial das mulheres que buscam o sustento de suas famílias em empregos nas casas de outras pessoas: 65% delas são negras, que ganham 15% a menos do que as domésticas que se declaram de outra etnia.
A média salarial das trabalhadoras domésticas também é outro ponto que mostra a escandalosa diferença social e de renda no país. No geral, uma empregada que prestava serviços em lares de outros brasileiros no final de 2020 ganhava R$ 876 reais por mês, indicando um encolhimento nos seus vencimentos em relação ao período pré-pandemia (2019), quando esse valor era de R$ 924. É necessário lembrar que além da baixa remuneração, os empregos domésticos costumam impor jornadas de trabalho mais extensas do que aquelas do mercado formal. No 4º trimestre de 2019, a jornada média semanal das domésticas no Brasil foi de 52 horas.
Entre as trabalhadoras do setor que não têm carteira assinada, os vencimentos são em média 40% menores do que aquelas que são registradas pelos patrões.
A região onde se paga menos no país é no Nordeste. Domésticas formalizadas ganham R$ 609, enquanto as que exercem o ofício sem registro recebem R$ 589 (o equivalente a meio salário mínimo). Já no Sul, com os valores mais altos da pesquisa, trabalhadoras com carteira assinada têm renda de R$ 1.090, ao passo que as informais ganham R$ 1.063.
“Pandemia afetou principalmente os trabalhadores mais precários”
O economista Alexandre Ferraz, do Dieese, que é doutor em Ciência Política e um dos coordenadores do levantamento sobre a condição dos empregados domésticos no Brasil após a pandemia, falou com exclusividade à reportagem da Fórum e participou nesta quarta-feira (28) do Fórum Onze e Meia, com os editores Renato Rovai e Dri Delorenzo.
Sobre os impactos mais graves e avassaladores na categoria, Ferraz explicou que a precarização desses trabalhadores é fator decisivo nos dados.
"A pandemia afetou principalmente os trabalhadores mais precários, aqueles que não estavam cobertos pelos contratos regulares da CLT, e esse é um caso que atinge especialmente os trabalhadores domésticos. Enquanto em outras atividades nós temos 75% dos trabalhadores com carteira assinada, entre os domésticos isso é exatamente o contrário: somente 1 em cada 4 trabalhadores tem contrato regular", disse.
O pesquisador fez ainda referência às leis de proteção aos empregados do setor, aprovadas nos governos petistas, que deram um pouco mais de segurança aos trabalhadores domésticos, mas que se mostraram insuficientes diante da crise enfrentada no último ano.
“Vale lembrar que a partir da Lei Complementar 150, de 2015, e da Emenda Constitucional 75, de 2013, que teve a deputada Benedita da Silva como relatora, os trabalhadores domésticos contam com FGTS e com acesso ao Seguro Desemprego. Isso foi bom para uma parte deles, aqueles que têm mais de um ano de emprego, mas outra parte não tem um ano de emprego e não consegue esses benefícios", acrescentou.
Sobre a intensidade desses números no grupo das mulheres, sobretudo das mulheres negras, o cientista político do Dieese assinala que os efeitos são sentidos dessa maneira devido à predominância do gênero feminino nesse tipo de atividade.
“O impacto é maior entre as mulheres porque 92% dessa categoria é formada por mulheres, que além de trabalhar em seus lares, sem remuneração ainda alguma, ainda enfrentam essa jornada de trabalho. Só que dentro desse universo, há uma hierarquização entre as mulheres. Para você ter uma ideia, embora elas sejam a imensa maioria, ainda assim as mulheres ganham menos do que os homens e isso afeta mais fortemente as mulheres negras, que ganham menos ainda.”
Na comparação de perda de renda entre empregados domésticos e de trabalhadores de outros grupos laborais, Ferraz mostra que os primeiros também foram mais atingidos do que os segundos, o que implica numa piora na qualidade de vida desse segmento social.
“Enquanto entre o 4° trimestre de 2019 e o 4° trimestre de 2020 houve um aumento de 3% na renda real para todos do conjunto real de ocupados, no caso dos trabalhadores domésticos sem carteira a renda real caiu 5%. Foi uma das rendas que mais caíram”, contextualiza.
Como lição, diz o economista, o estudo deixa claro que há uma marca de natureza histórica nesses dados, já que os grupos que mais sofreram com a crise são justamente aqueles que no curso do tempo sempre foram os mais estigmatizados e prejudicados nas relações sociais e de trabalho no país.
“Um dos aspectos mais importantes dessa pesquisa é mostrar essa diferença regional e de condição por gênero e raça/cor. E a gente percebe claramente como a História do Brasil marca essas diferenças, nós notamos como a exclusão, o preconceito e o racismo se colocam de forma saliente em nossas regiões e isso ainda é uma coisa muito forte”, finaliza.