O governo federal anunciou na última sexta-feira (23) que o Censo 2021 será suspenso por falta de recursos previstos no Orçamento deste ano sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Segundo a Lei 8.184/1991, o Censo deveria ser feito a cada dez anos. Portanto, de acordo com a legislação a pesquisa já deveria ter sido realizada no ano passado. Mas foi cancelada pelo segundo ano seguido.
O último levantamento foi feito em 2010, na ocasião o ex-presidente Lula e a ex-primeira-dama Marisa Letícia receberam uma equipe do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para responder ao questionário e incentivar que as pessoas participassem da pesquisa. "Quando chegar o pesquisador do IBGE, por favor, responda com a maior sinceridade, com a maior verdade absoluta. Se puder, ofereça até um cafezinho para o companheiro. Cada palavra sua é que vai dar o retrato fiel do que será o país daqui a uns dois anos, quando estiver tudo elaborado, tudo pronto e for divulgado", disse Lula naquele ano.
Para o economista Marcio Pochmann, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e docente do Instituto de Economia da Unicamp, o corte nos recursos previstos para o Censo inviabiliza a pesquisa neste ano e também no ano que vem. “O Censo pressupõe um roteiro de recursos para organizá-lo. O Orçamento deste ano teria que contar com recursos para poder prepará-lo. Possivelmente teremos apenas em 2023.”
Dos R$ 2 bilhões que haviam sido previstos no Congresso, Jair Bolsonaro sancionou apenas o repasse de R$ 53 milhões. Para o sindicato nacional dos servidores do IBGE, o Assibge, seriam necessários R$ 3,4 para a realização do Censo neste ano, e a verba que restou inviabiliza os preparativos para ir a campo em 2022. “Com o valor designado para o Censo em 2021 depois do corte feito, não serão realizadas etapas centrais para a realização do Censo em 2022. Precisamos agir com urgência, necessitamos garantir orçamento de pelo menos 239 milhões em 2021 para não comprometermos o Censo que precisa ir para as ruas no próximo ano”, afirma a entidade em nota.
Segundo Pochmann, “a questão do Censo está na superfície de problemas maiores”. “Hoje a ausência do Censo significa não apenas não conhecer o país, mas coloca os governantes, quem têm que tomar decisão de política pública e pensar na esfera pública, completamente subordinado às informações do setor privado. A ausência do Censo nos revela perda de soberania em relação ao conhecimento e à gestão de populações, usando o conceito de Foucault, da política como gestão de populações. Estamos perdendo essa capacidade”, alerta.
Outra preocupação do economista é que “o governo está refém do setor privado. No passado quem detinha as informações sobre a população e o território era o governo. O setor público está abandonando sua capacidade de fazer políticas públicas porque não detém informações. Se não se conhece a realidade, não se muda. Não é só uma questão de inanição do governo em relação a recursos, mas é um apagão estatístico, de desconhecimento da nossa realidade.”
A Confederação Nacional de Municípios (CNM) também criticou a decisão do governo Bolsonaro. “A medida, além de descumprir a legislação, prejudica a aplicação de recursos e a construção de políticas sociais no país, afetando, portanto, toda a população brasileira”, diz. “O Censo é a mais importante radiografia do Brasil, e os indicadores demográficos e socioeconômicos produzidos orientam investimentos e subsidiam políticas implementadas pelas três esferas de governo. A confederação considera que a medida deveria ser uma prioridade para o país, diante do grande impacto que provoca. Não há planejamento efetivo sem o diagnóstico da realidade do país. Com isso, perde cada brasileiro.”
Diante da gravidade, o governador do Maranhão, Flavio Dino, anunciou que pretende acionar a Justiça para manter o Censo de 2021: “Diante do descumprimento da Constituição pelo governo federal, com o cancelamento do Censo, já orientei a PGE do Maranhão a ingressar na Justiça. Há impactos em políticas sociais e na repartição das receitas tributárias, ameaçando os princípios federativo e da eficiência”.