Covid-19: gráficos mostram como Brasil destoa na média móvel de mortes no continente

Os índices por aqui são muito superiores aos das nações vizinhas, com exceção do Peru, também em profunda crise política. Números ilustram a condução desastrosa da pandemia por parte do governo brasileiro.

Foto: Semcom - Prefeitura Municipal de Manaus
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Por Leandro Ordonez

Março de 2021 ficará marcado pelo descolamento do Brasil em relação aos vizinhos sul-americanos na evolução da pandemia de Covid-19, com o país ultrapassando, pela primeira vez, a marca de 2 mil mortes a cada 24 horas na média móvel dos últimos sete dias e alcançando o patamar de 10,6 óbitos diários para cada milhão de habitantes – maior índice do continente atualmente.

Somente este mês, a mortalidade brasileira em decorrência do novo coronavírus cresceu 85,5% (média móvel), enquanto os melhores índices sul-americanos foram obtidos por Bolívia (-48,5%), Colômbia (-7,6%) e Equador (-30,9%), cujos números aparecem em queda.

Neste mesmo período, Argentina (+13,6%), Chile (+13,9%), Paraguai (+105,4%), Peru (+2,6%), Uruguai (+129,2%) e Venezuela (+89,3%) também registraram aumento na quantidade diária de óbitos, porém com médias móveis que, com exceção da peruana, não chegam à metade da apresentada pelo Brasil na atualidade.

Médias móveis atuais

Na média móvel de mortes diárias, em números proporcionais para cada milhão de habitantes, esta é a atual sequência a partir do quadro mais grave: Brasil (10,6), Peru (5,4), Paraguai (4,6), Chile (4,1), Uruguai (3,2), Argentina (2,7), Colômbia (2,4), Equador (1,6), Bolívia (1,3) e Venezuela (0,3).

Acumulado

Conforme mostram os gráficos, no acumulado proporcional de mortes causadas pela pandemia, o único país a superar o Brasil (1.389 para cada milhão de habitantes) é o Peru (1.529), também marcado por trocas de autoridades na área de Saúde e por resistências ao confinamento, especialmente pelos trabalhadores informais, sem apoio do estado (leia mais a seguir).

Dados

As estatísticas apresentadas são aplicadas sobre dados divulgados pela Universidade Johns Hopkins, dos EUA (www.arcgis.com), abrangendo os dez países sul-americanos que possuem mais de um milhão de habitantes.

Os infográficos mostram a evolução da pandemia em linhas do tempo que apontam a quantidade de mortes para cada milhão de habitantes, com média calculada em períodos de dez dias, já partindo da média móvel de sete dias.

Para evitar distorções causadas pela divulgação de números acumulados, os valores que representam mais de cinco vezes a média móvel do dia anterior foram redistribuídos pelas semanas anteriores, de modo proporcional às médias móveis de cada período.

Infectologista credita números a variantes do vírus e caos na prevenção

“O que temos observado no Brasil é um completo caos preventivo e assistencial. Não temos vacina em quantidade e velocidade suficientes. Não temos políticas de mitigação com distanciamento correto. E ainda temos as variantes do vírus, que estão realmente se disseminado, além de pessoas aglomeradas. É uma situação muito propícia para que a gente se destaque negativamente, como estamos vendo”, diz o infectologista Evaldo Stanislau, diretor da Sociedade Paulista de Infectologia.

Para ele, as novas cepas do coronavírus identificadas em território nacional podem ser um dos fatores determinantes para que o Brasil destoe negativamente dos vizinhos sul-americanos. “Talvez estejamos um passo à frente (em elevação do número de óbitos) dos outros países devido à variante, mas é só uma suposição”, comenta, explicando que “com uma pequena parte da população vacinada, a gente nem protege e ainda pode, eventualmente, selecionar mais mutações do vírus, que, no futuro, poderão até escapar das vacinas e demandar ajustes vacinais”.

Chile

Analisando os gráficos da matéria, Stanislau destaca os chilenos como exemplo de combate eficaz à pandemia. Apesar do índice de mortalidade em alta, a curva da segunda onda naquele país é mais achatada que a primeira (metade do pico, por enquanto).

“O Chile tem vacinado com consistência, com índice que se destaca muito em relação ao dos demais países da América do Sul. Acho que lá, sim, estão fazendo uma política correta. É um país que leva a sério a Covid-19”, avalia o infectologista.

Até o dia 21, os chilenos já haviam aplicado ao menos uma dose em 5,6 milhões de pessoas, o que corresponde a 26,4% da população daquele país. No Brasil, o percentual era de 5,6%.

Informalidade, pobreza e crise política podem explicar números peruanos

Trabalhadores desamparados, sem auxílio do estado, e indefinições na gestão nacional da Saúde. Problemas bem conhecidos dos brasileiros acompanham também os peruanos ao longo da pandemia. Em um ano, dois presidentes foram depostos em meio a processos de impeachment e protestos que deixaram mortos e feridos.

“A pandemia evidenciou a precariedade laboral no Peru. Fomos um dos primeiros países a tomar medidas preventivas, mas a quarentena restrita durou apenas duas semanas. Depois, voltaram a sair às ruas os vendedores de roupas, sapatos, comidas...”, relata a jornalista peruana Xenia Martinez.

De acordo com o órgão de estatísticas do governo daquele país, 75,2% da população economicamente ativa do Peru atua na informalidade – no Brasil, este índice está em 41,6%, conforme aponta o IGBE.

Tradicionais em solo peruano, as refeições coletivas também foram foco de aglomerações durante a pandemia. “Há comedores populares, centros onde as pessoas em situação de pobreza se unem para preparar e compartilhar comida”, descreve Xenia, relatando que, devido ao fechamento de bares e restaurantes, esses locais acabaram frequentados também por pessoas que trabalham sem local fixo, como mototaxistas, por exemplo.

Crise política

Em meio ao mais elevado percentual de vítimas da Covid-19 no continente, o Peru passou por conturbadas mudanças de presidentes, que interromperam processos de contratações de médicos e negociações para a compra de vacinas, relembra a jornalista. “Tivemos uma crise política em plena pandemia. E, a cada mudança, se suspendiam processos importantes que haviam avançado”, explica, recordando que o país ficou sem ministro da Saúde pelos cinco dias de governo de Manuel Merino – em novembro de 2020. Ele sucedeu Martín Vizcarra e, após protestos populares, entregou o poder ao atual presidente Francisco Sagasti.