“Plano Nacional do Livro Didático de Bolsonaro é pautado no obscurantismo”, diz Daniel Cara

Governo divulgou novo edital para o PNLD e retirou temas e expressões como “democráticos”, “respeito à diversidade” e “violência contra a mulher”

Foto: Fundação de Arte e Cultura de Ubatuba
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O cientista político e educador popular Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, tem uma posição bem crítica em relação às mudanças no Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), anunciadas pelo governo de Jair Bolsonaro.

“Na prática, esse PNLD é pautado no obscurantismo, na ideia de que a educação tem que ser neutra. Só que uma educação neutra em um país injusto joga ao lado da opressão, como disse certa vez o Bispo Tutu (arcebispo sul-africano da Igreja Anglicana, vencedor do Prêmio Nobel da Paz, em 1984, por sua luta contra o Apartheid)”, avalia o educador.

Para ele, a necessidade é de se lutar pela construção de uma educação em favor da justiça. “Essa mudança é extremamente preocupante, mas, infelizmente, é congruente com o governo Bolsonaro.”

O novo edital do PNLD se refere à aquisição do material para alunos do 1º ao 5º ano do ensino fundamental (6 a 10 anos de idade). O governo retirou uma série de expressões e temas.

Não devem mais constar no PNLD assuntos como “especial atenção para o compromisso educacional com a agenda da não violência contra a mulher”. A seção que trata de princípios éticos retirou as expressões “democráticos” e “respeito à diversidade”.

Antes das alterações, o PNLD abordava a possibilidade de exclusão de obras que promovem “postura negativa em relação à cultura e história afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros” ou que tratassem o tema do preconceito “de forma não solidária e injusta”.

“O que é importante reiterar desse novo edital do PNLD é que ele casa, também, com a propaganda do Ministério da Educação, que defende a ideia de que a alfabetização tem que ser orientada pela ciência. É só uma propaganda, porque em nada tem vínculo com a verdade”, ressalta.

“Curiosamente, eles utilizam uma perspectiva científica extremamente antiquada, que é o método fônico (método de alfabetização que prioriza o ensino dos sons dos grafemas do alfabeto), há muito superado”, destaca o educador.

Em sua avaliação, antes de Bolsonaro, o governo de Michel Temer se uniu a fundações empresariais que defendem o método. “O atual governo fez uma alteração no PNLD pautada no método fônico, tendo como referência a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O governo Temer já tinha feito essas alterações que o Bolsonaro promove agora, com o objetivo de excluir a conscientização sobre a violência contra mulher, a preocupação relativa ao aprendizado dos valores democráticos e retira, também, outros temas que são caros à luta pelos direitos humanos”, reitera Daniel.

Ele acha importante ressaltar que esses aspectos não são caros somente à luta pelos direitos humanos. “O artigo 205 da Constituição Federal diz que a educação deve garantir o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Portanto, o PNLD não é congruente com esses três pilares da missão constitucional da educação.”

Valores democráticos

A alteração do PNLD se refere à formação das crianças, à fase de alfabetização no Ensino Fundamental. “É extremamente preocupante, porque não se trata só da formação dos jovens, mas da formação das crianças, que, durante uma tradição longa, desde a Constituição de 1988, vinham sendo preparadas para se formar com base em valores democráticos e de direitos humanos. Agora, serão deixados de lado esses aspectos essenciais na formação humana”, diz.

“O governo Bolsonaro juntou duas coisas muito graves: o método de alfabetização, o método fônico, totalmente antiquado, com uma situação muito preocupante também, que é a formação não orientada ao pleno desenvolvimento da cidadania. Ou seja, é o pior dos mundos que se une nesse PNLD do Bolsonaro”, aponta Daniel.

O educador enfatiza que, concretamente, há uma tentativa do governo de “desconstruir os valores democráticos e uma tradição brasileira, que respeita a verdadeira história do Brasil, da África, dos povos indígenas, a verdadeira história de superação das desigualdades.”