Cimi diz que Funai “querer definir” quem é ou não indígena é inconstitucional

Resolução do órgão governamental estabeleceu “critérios complementares” para validar a autodeclaração de indígenas; entidade diz que medida visa barrar regularização de territórios desses povos

Palmas (TO) - Adereços e pinturas corporais da etnia Pataxó (Marcelo Camargo/Agência Brasil)Créditos: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Escrito en BRASIL el

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) disse, nesta segunda-feira (1º), que uma medida do mês passado da Fundação Nacional do Índio (Funai) é inconstitucional. A avaliação é sobre a resolução nº 4, de 21 de janeiro deste ano, que estabelece “critérios complementares para a autodeclaração indígena”.

Na avaliação da assessoria jurídica da entidade, a resolução é inconstitucional, viola dispositivos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e contraria definições do Supremo Tribunal Federal (STF). Para o Cimi, é público que a Funai, desde a eleição de Jair Bolsonaro (sem partido) “tem se colocado, deliberadamente, contrária aos interesses dos povos originários do Brasil e às legislações e jurisprudências nacionais e internacionais”.


Para justificar a medida, a Funai diz que ela visa “padronizar e dar segurança jurídica” ao processo de autodeclaração indígena, como forma de “proteger a identidade indígena e evitar fraudes na obtenção de benefícios sociais voltados a essa população”.

Mas, na avaliação da assessoria jurídica do Cimi, ela na verdade revela a intenção da Funai de “voltar a definir quem é ou não indígena, num retorno ao regime jurídico da tutela que embasava a atuação estatal antes da promulgação da Constituição de 1988, com o mesmo modus operandi do extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI)”.

Além disso, o Cimi diz que, com esse ato, o que a Funai busca é “tornar uniforme uma política integracionista, para mais uma vez extirpar, como ocorreu em especial no período da ditadura militar, direitos dos índios” e “impedir a continuidade da regularização dos territórios de ocupação tradicional indígena e colocar essas áreas à disposição de setores do agronegócio”.

“Essa normativa consolida o racismo institucional contra os povos indígenas ao propor critérios sobre uma auto-identificação que é, por direito, subjetiva, não se reduzindo aos estereótipos ou características fenotípicas, além de buscar cristalizar e segregar as identidades ditas ‘pré-colombianas’”, analisa a assessoria jurídica do Cimi.

Norma que facilita grilagem

Não é a primeira medida da Funai contestada no governo Bolsonaro. Uma delas, aliás, foi apontada pelo Ministério Público Federal (MPF) como incentivadora à grilagem em terras indígenas. A Justiça concordou com a avaliação e suspendeu seus efeitos.

Trata-se da Instrução Normativa (IN) 9/2020. Ela prevê a retirada de terras indígenas ainda em fase de demarcação dos sistemas de controle da ocupação de terras no país.

Quando esses territórios são retirados Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) e no Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), torna-se possível pedir a propriedade de terrenos que invadam os limites das terras indígenas. Isso, na visão do MPF, abre espaço para tentativas de grilagem sobre tais localidades. O MPF ajuizou 22 ações contra a IN, em diferentes estados, obteve liminar em 14 delas.