No 10º dia de julgamento, o Tribunal do Júri do Foro Central de Porto Alegre (RS) decidiu, nesta sexta-feira (10), pela condenação de todos os 4 réus processados no caso da Boate Kiss, casa noturna de Santa Maria (RS) que foi alvo de um incêndio em janeiro de 2013 que matou 242 pessoas e deixou mais de 600 feridas.
O incêndio começou após o vocalista da banda que tocou naquela noite acender um artefato explosivo. Ao longo dos mais de 8 anos de investigações, se constatou que a casa apresentou inúmeras falhas de segurança que contribuíram para o alto número de vítimas na tragédia.
O júri, após ouvir todas as partes e discutir entre si, considerou que os sócios da boate, Elissandro Sporh e Mauro Hoffmann, bem como o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, e o produtor musical Luciano Bonilha, são culpados pelo incêndio e, por isso, eles serão condenados por homicídio.
Confira abaixo as penas definidas:
- Elissandro Spohr, sócio da boate: 22 anos e seis meses de prisão por homicídio simples com dolo eventual
- Mauro Hoffmann, sócio da boate: 19 anos e seis meses de prisão por homicídio simples com dolo eventual
- Marcelo de Jesus, vocalista da banda: 18 anos de prisão por homicídio simples com dolo eventual
- Luciano Bonilha, auxiliar da banda: 18 anos de prisão por homicídio simples com dolo eventual
As penas, segundo o juiz Orlando Faccini Neto, deveriam começar a ser cumpridas imediatamente, mas os réus conseguiram um habeas corpus preventivo junto ao Tribunal de Justiça e, por hora, a execução das penas está suspensa.
Ainda cabe recurso, tanto da parte dos réus quanto do Ministério Público. O resultado deste julgamento, no entanto, não pode mais ser modificado. Os recursos, no caso, poderiam servir para modificar as penas ou solicitar um novo julgamento.
Leitura da sentença
Ao ler a sentença, o juiz Orlando Faccini Neto afirmou que “a culpabilidade dos réus é elevada, mesmo se tratando de dolo eventual. Apesar de eventual, este dolo foi intenso e isso repercutirá na pena".
"No caso como o presente, é preciso referir que se está diante da morte de 242 pessoas, circunstância que, na órbita do dolo eventual, já encerra imensa gravidade", declarou ainda.
O magistrado disse também que, apesar das penas altas, os condenados tiveram tempo de usufruir a vida em liberdade, enquanto as vítimas, não. "Esse muito [tempo de vida em liberdade] não lhes foi retirado por acaso (...) São mais de 9 mil anos de vida perdidos. As consequências são gravíssimas para a cidade de Santa Maria", pontuou.
Após mais de 9 anos, tragédia da Kiss será tema de série; relembre o caso
O incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria (RS), que matou 242 pessoas e deixou mais de 600 feridos em janeiro de 2013, será tema de uma minissérie da Netflix. O anúncio foi feito em novembro pela própria plataforma de streaming em uma lista de lançamentos previstos para 2022 e 2023.
A obra audiovisual terá produção da Morena Filmes e direção cineasta Júlia Rezende, sendo baseada no livro “Todo Dia a Mesma Noite”, da jornalista Daniela Arbex. O livro foi lançado em 2018 e traz depoimentos de familiares de vítimas e outras pessoas envolvidas com a tragédia que chocou o país.
A previsão é que a série comece a ser gravada em janeiro de 2022, mês em que se completam 9 anos do incêndio.
“É muito importante [o lançamento de uma série na Netflix sobre o incêndio na Boate Kiss] (…) Para dar mais segurança aos locais em que há falta de segurança. Essas tragédias ocorrem por isso. De tempos em tempos jovens morrem por causa dessa ganância desenfreada, que foi o que aconteceu na Kiss”, disse, em entrevista à Fórum, Paulo Carvalho, que é diretor jurídico da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria, e é pai de Rafael Paulo Nunes de Carvalho, jovem que tinha 32 anos e que morreu no incêndio
As chamas tiveram início por conta do disparo de fogos de artifício durante o show da banda e, durante a investigação, ao longo desses quase 9 anos, foi constatado que a falta de sinalização, obstrução das saídas e falta de extintores de incêndio, entre outras falhas e omissões, contribuíram para o agravamento da tragédia e o alto número de mortos.
“Foram muitas decepções nesse longo tempo, um absurdo. Esperar 2 anos já é muito, imagina esperar 9. Inúmeras apelações, recursos. Isso tudo causou muitos problemas físicos e psicológicos nos familiares. Pais morreram de desgosto. Não vou dizer que morreram pela injustiça, mas agravou”, disse Paulo Carvalho à Fórum.
“É preciso que sejam responsabilizados pelo dolo que eles cometeram. Todos os 4 [réus]. Não existe crime culposo. Os proprietários fizeram modificações graves: barras que impediram os jovens de sair da boate, fechar o exaustor de ar para consumo maior de bebidas, isso está escrito no processo. Pegaram extintores que estavam lá e colocaram em uma sala porque ‘enfeiavam’ o ambiente. Isso é doloso. Os extintores poderiam salvar vidas. Quem comprou o artefato sabia que não pode usar em ambiente fechado. Assumiu o risco. E o vocalista fugiu. Tinha um microfone na mão, com todas as condições de avisar seguranças e frequentadores “, afirmou ainda o diretor jurídico da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria.
Memória coletiva
Também em conversa com a Fórum, Daniela Arbex, autora do livro que vai basear a série na Netflix, afirmou que futura obra audiovisual representa “um passo importante na construção da memória coletiva do Brasil”.
“E construir memória é um caminho necessário para a busca da justiça. O livro teve um papel fundamental no registro dessa história e no despertamento da empatia. A adaptação da narrativa para as telas é não só emocionante, como necessária para a compreensão do quanto a jornada pela responsabilização de autores de crimes no país é longa e tortuosa”, diz.
“Meu desejo é que a série nos conscientize sobre a dor do outro e sobre a necessidade de jamais abrirmos mão do exercício permanente da cidadania”, declara ainda a jornalista.
“Dor insuportável”
Em entrevista ao programa Fórum Onze e Meia em junho deste ano, Paulo Carvalho, o pai de uma das vítimas do incêndio, falou sobre o assunto e afirmou que a demora da Justiça em punir os responsáveis causa uma “dor insuportável”.
“As pessoas precisam tomar consciência sobre o que aconteceu e que podem acontecer outras tragédias com seus filhos. A reparação que nós queremos é um sentimento de que não tenha sido em vão”, desabafou.
Confira a íntegra da entrevista aqui.