Lei Geral de Proteção de Dados tem sido usada para ocultar informações públicas

Coalizão de entidades trava luta para que legislação que completou um ano de vigência não seja usada com amparo para impor sigilo a fatos de interesse da sociedade

Palácio do Planalto (Escandinavian Way/Reprodução)
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A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que completou em agosto um ano de vigência, vem sendo utilizada de forma desvirtuada pelo poder público, sobretudo pelo governo de Jair Bolsonaro, para ocultar informações de interesse da sociedade e que deveriam ganhar publicidade.

O Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, grupo composto por 27 entidades de todo o país, ciente dessa prática que desvirtua e descontextualiza os reais intuitos e finalidades da LGPD, divulgou um manifesto contra esse uso irregular da legislação, que tem servido principalmente para ocultar nomes de frequentadores que entram e saem de prédios públicos de Brasília, sem que suas identidades sejam reveladas.

A luta levada a cabo pelo Fórum, criado em 2003 no intuito de somar forças para tornar realidade a Lei de Acesso à Informação (LAI), é no sentido de, como regra, tornar as informações públicas algo ao alcance de todos, reservando o sigilo apenas para casos pontuais e justificáveis, ou seja, exceções.

O manisfesto afirma que “contrariando sua finalidade original, a LGPD tem sido utilizada para negar acesso a informações sobre agentes públicos e o exercício de suas atividades, a despeito de, em momento algum, ter sido concebida com esse fim”. Esse seria o cerne do problema para o Fórum.

O documento foi remetido à Controladoria-Geral da União (CGU), à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), ao Tribunal de Contas da União (TCU), aos Conselhos Nacionais de Justiça (CNJ) e do Ministério Público (CNMP).

Confira a íntegra do documento

LGPD não pode ser usada para impedir cidadãos de saber como e por que a administração pública age

Desde 2011, a Lei de Acesso à Informação (LAI) instrumentaliza e regulamenta a forma pela qual os cidadãos exercem seu direito de exigir explicações sobre o funcionamento da administração pública. Em 2018, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) foi sancionada para assegurar a proteção da privacidade das pessoas comuns contra intromissões de agentes públicos ou privados.

Todavia, contrariando sua finalidade original, a LGPD tem sido utilizada para negar acesso a informações sobre agentes públicos e o exercício de suas atividades, a despeito de, em momento algum, ter sido concebida com esse fim.  Casos recentes, como tentativas de usar a LGPD para negar acesso a informações sobre autuações contra trabalho análogo á escravidão ou à lista de pessoas que acessam prédios públicos trazem preocupação. Da mesma forma, o TSE também usou a LGPD como fundamento para remover do ar a base de dados de filiados de partidos políticos, cuja utilização para fins de controle público é essencial para estudar indicações políticas e a movimentação partidária intragovernamental.

A Constituição reconhece, simultaneamente, o direito à informação e o direito à privacidade como direitos fundamentais de qualquer cidadão. Entretanto, para aqueles que decidem seguir uma carreira pública e assumir posições de poder ou para aqueles que decidem se relacionar mais diretamente com a administração pública, a Constituição estabelece um dever de transparência e de prestar contas que se sobrepõe à esfera de privacidade.

De acordo com o Supremo Tribunal Federal, o acesso a informações sobre agentes públicos “nessa qualidade” (art. 37, §6º), seja pelo cidadão, seja pela imprensa, não só não tem relação com a intimidade ou vida privada, como também é o preço que se paga pela opção por uma carreira pública em um Estado republicano. O mesmo raciocínio deve ser observado nas demais questões relacionadas à administração pública, pois só assim é possível assegurar a democracia.

As entidades que compõem o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, e suas parceiras na defesa da transparência, vêm manifestar publicamente sua preocupação e posição contrária à utilização da LGPD como fundamento para negar ou restringir o direito da sociedade de saber como e por que agem os responsáveis pelo funcionamento da máquina pública.

8 de novembro de 2021

Assinam este manifesto:

  1. Associação Fiquem Sabendo
  2. Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo
  3. Agência Livre.jor
  4. Agência Mural de Jornalismo das Periferias
  5. Agência Pública
  6. Agência Tatu
  7. Ajor – Associação de Jornalismo Digital
  8. Amazônia Real
  9. ARTIGO 19
  10. Associação Contas Abertas
  11. Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa
  12. Brasil.IO
  13. Conectas Direitos Humanos
  14. Jeduca – Associação de Jornalistas de Educação
  15. Grupo Matinal Jornalismo
  16. Instituto Beta: Internet & Democracia
  17. Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
  18. Inesc
  19. Instituto de Governo Aberto – IGA
  20. Observatório de Cidadania da Universidade Federal de Rondônia
  21. Open Knowledge Brasil
  22. Painel Jornalismo de Dados
  23. Rede Brasileira de Conselhos -RBdC
  24. RENOI – Rede Nacional de Observatórios de Imprensa
  25. SOS Imprensa
  26. Transparência Brasil
  27. Transparência Partidária