Dos oito corpos retirados de dentro de um manguezal no bairro do Palmeira, após uma chacina praticada por policiais militares no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo (RJ), pelo menos três não têm anotações criminais por tráfico de drogas. Sete já foram identificados por familiares, sendo que quatro eram investigados em inquéritos.
David Wilson de Oliveira, de 23, e Kaua Brener Gonçalves, de 17, não aparecem como autores ou envolvidos em nenhum outro crime. Já Elio da Silva Araújo, de 52 anos, respondeu a um processo por esbulho possessório, que foi extinto em 2013. Os demais eram investigados, em sua maioria, por tráfico de drogas, sendo um deles também por porte ilegal de arma, homicídio qualificado, associação e corrupção ativa.
Desde sábado (20), moradores relatam a ocorrência de confrontos armados na região e denunciam que a chacina pode ter sido motivada por vingança pela morte de um sargento do 7º Batalhão da Polícia Militar de São Gonçalo.
Uma das maiores entidades de defesa dos direitos humanos do mundo, a Anistia Internacional, por meio do seu escritório no Brasil, cobrou providências e uma investigação rigorosa sobre a chacina.
A Polícia Militar afirma que se tratava de uma operação para “estabilizar” a localidade, mas os indícios e denúncias de que as vítimas possam ter sido executadas extrajudicialmente devem ser levados em consideração com a devida diligência e em conformidade com os protocolos internacionais de direitos humanos.
O Complexo do Salgueiro, assim como a maior parte das comunidades periféricas no estado do Rio de Janeiro, é alvo sistemático de violência policial e graves violações de direitos humanos.
Há um ano e meio, João Pedro Matos Pinto, de 14 anos, foi assassinado dentro de casa, também no Complexo do Salgueiro, após ser baleado com um tiro de fuzil. As investigações sobre seu assassinato permanecem sem solução. Há apenas seis meses, ocorreu a chacina do Jacarezinho, que vitimou 28 pessoas. Também neste caso as devidas responsabilizações não foram concluídas.
Mulher diz que marido foi retirado de casa para ser morto
Moradores do Complexo do Salgueiro denunciam que pelo menos uma das vítimas foi retirada de dentro de casa para ser executada pelos agentes de segurança.
“A todo momento ele pergunta pelo pai. O meu filho de seis anos acha que o pai vai voltar. Ele pergunta se o pai vai voltar ou foi morar com Deus”, disse uma estudante de educação física, companheira de Jhonatha Klando Pacheco, de 26 anos, um dos homens que morreram na ação da PM. Ela alega que Pacheco foi retirado de dentro da residência do casal para ser morto na área de mangue da localidade.
“Foi um dia normal. Ele estava deitado com o meu filho de 6 anos. Eles iam arrumando de casa em casa. Eles fizeram uma varredura e levaram todos os homens que suspeitavam que era bandido. Ele estava em casa e fizeram essa arruaça. Eles estão lá já dois dias. Vivemos momentos guerra e a todo tempo a gente estávamos se jogava no chão”, contou a jovem.
Desolada, ela não aceita a história contada pelos policiais de que os mortos foram vítimas de um confronto com o Batalhão de Operações Especiais (BOPE).
“A gente era casado há 9 anos. Ele era uma pessoa boa, sorridente, ajudava os moradores com cesta básica quando podia. Eles vão falar que ali era pai de família? O Estado só entra para matar”, protestou indignada a viúva, após sair do Instituto Médico Legal (IML), onde reconheceu o corpo e o liberou para o funeral.