Foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro nesta segunda-feira (22) a Lei Mari Ferrer, que aumentou de um terço até metade a pena do crime de coação no curso do processo para quem constranger em audiências e julgamentos vítimas de abuso sexual.
O texto é de autoria da deputada Lídice Damata (PSB-BA), que tomou a iniciativa após o caso da jovem catarinense Mariana Ferrer, de 24 anos, abusada dentro de uma casa noturna em Florianópolis (SC) em 2018 e hostilizada pelo advogado do réu durante as audiências e o julgamento do caso, que acabou por inocentar o acusado, o empresário André de Camargo Aranha.
Segundo a nova legislação, que alterou o Código Penal, promotores, advogados e juízes, assim como outros participantes da sessão, têm obrigação de zelar pela integridade física e psicológica das vítimas. No caso dos advogados, quem incorrer nessa prática também estará sujeito a medidas aplicadas pela OAB, por meio dos órgãos de correição da instituição.
"O projeto é mais do que oportuno. Ele altera o Código Penal apenas aumentando a pena de um crime que já existe, o de coação no curso do processo. Ela aumenta de um terço até metade caso envolva crime contra dignidade sexual. Também altera o Código de Processo penal, dizendo que na audiência de instrução e julgamento, no caso do tribunal de júri e dos juizados especiais, todas as partes deverão zelar pela integridade física e psicológica da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa, cabendo ao juiz cumpri-la", disse a senadora Simone Tebet (MDB-MS), que foi relatora do PL no Senado Federal.
“Aberração jurídica”
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) manteve a absolvição do empresário André de Camargo Aranha, de 44 anos, acusado de estupro de vulnerável pela jovem influenciadora Mariana Ferrer. A decisão foi unânime: 3 votos a 0.
Ela acusa o empresário de tê-la dopado e estuprado em uma festa na badalada casa noturna, Café de La Musique, em Florianópolis (SC), em 2018. À época, ela tinha 21 anos e era virgem e o caso ganhou repercussão nacional, gerando protestos em todo o país.
Aranha havia sido absolvido, em primeira instância, em setembro de 2020, em decisão do juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis (SC). A audiência, na ocasião, foi marcada por ataques de Claudio Gastão da Rosa Filho, advogado do suposto abusador. Ele mostrou fotos das redes sociais de Mariana Ferrer, classificando-as como “ginecológicas”, e afirmou que “jamais teria uma filha” do “nível” da vítima. “Também peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher que nem você”, atacou.
A defesa de Mariana, após a absolvição de Aranha, então, ingressou com pedido para a revisão da sentença em primeira instância, que foi negada nesta quinta-feira pelo TJ-SC.
À Fórum, a advogada Andrea Costa, especialista em direito penal e palestrante sobre combate à violência contra a mulher, criticou duramente a decisão judicial e afirmou que a manutenção da absolvição de Aranha “nos traz um grave abalo na luta em defesa das mulheres, principalmente nos crimes de ordem sexual”.
“Nós sabemos e é nítido, público e notório, que há uma subnotificação neste tipo de crime, por conta da vergonha, por conta de se entender que não haverá justiça. Por entender que você vai expor uma situação dessas e denunciar um crime dessa esfera que ocorrem em situações onde só temos a palavra da vítima e a palavra do autor. A vítima se sente indefesa, insegura e com medo de que, ao se expor, ela que será julgada e condenada diante a sociedade”, analisa.
Também ouvida pela Fórum, Mariana Nery, advogada especializada em direito da mulher, afirma que o caso de Mariana Ferrer é “mais um que demonstra duas coisas muito latentes no Brasil: a cultura do estupro e naturalização da violência institucional que nós, mulheres, sofremos no Judiciário, seja como parte, como vítima ou como advogada”.
Segundo Mariana Nery, neste caso ocorreu estupro de vulnerável, crime previsto no artigo 217 A do Código Penal, descrito desta maneira: “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos é crime e incorre nas mesmas penas quem submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato ou que por qualquer outra causa não pode oferecer resistência”.
“O caso da Mariana se enquadra neste tipo penal, pois ela estava embriagada e incapaz dar o consentimento para o ato sexual”, atesta a advogada.