Indígenas do sul da BA acusam grileiro de tentar atropelar liderança local

Ataque teria ocorrido na Aldeia Kaí, no município de Prado, quando um grupo originário foi avisar Lucas Lessa de que não seria possível transitar na área que está protegida por decisão do STF. Polícia teria se negado a atender vítima

Foto: Arquivo pessoal
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Integrantes de uma comunidade indígena pataxó que habitam o extremo sul da Bahia, na Aldeia Kaí, localizada no município de Prado, acusam um suposto latifundiário da região de tentar atropelar o líder Xawã Pataxó (Ricardo). De acordo com o grupo originário, Lucas Lessa, que reside em mansões construídas na área paradisíaca e é acusado de grilar terras que são parte de territórios indígenas, teria jogado uma picape contra Xawã, que é também secretário para Assuntos Indígenas da Prefeitura de Prado. Na versão apresentada pelos denunciantes, o alvo do ataque conseguiu se desvencilhar do veículo, mas teve sua moto destruída no episódio.

A tentativa de atropelamento teria ocorrido quando Lessa foi advertido pelos pataxós para que não trafegasse na área, uma vez que as terras estão protegidas contra decisões judiciais locais de reintegração de posse por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), tomada pelo ministro Dias Toffoli em abril de 2020. O magistrado considerou que as propriedades estariam inseridas na área de ocupação tradicional indígena (Terra Indígena Comexatibá – Cahy Pequi), identificada como de ocupação Pataxó, segundo Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação, produzido pela Fundação Nacional do Índio (Funai) em 2015.

“A gente acabou de ter um ataque aqui na comunidade, no território, onde o pessoal dos Lessa estava. Justamente o Lucas Lessa com homens dentro do carro. A gente explicando pra ele a decisão que tem do STF, do ministro Dias Toffoli para esse território da Aldeia Kaí... Ele infelizmente jogou o carro em cima da gente, a gente teve que se defender com nosso tacape. Ele veio em direção a mim com o carro e consegui se livrar do atropelamento. Mas ele quebrou minha moto também, passou por cima da moto. Aí estamos comunicando os companheiros. A gente não vai deixar mais as nossas praias serem fechadas e nosso território ser tomado”, contou Xawã Pataxó.

Ao tentar denunciar a violência na delegacia de polícia de Prado, alguns minutos depois, a liderança indígena se deparou com Lessa já na repartição, contanto sua versão à autoridade. De acordo com Xawã, o delegado teria se recusou a ouvir a denúncia que o secretário municipal trazia.

A disputa entre indígenas e grileiros se intensificaram na área nos últimos anos, sobretudo por conta do loteamento das praias do Moreira e do Calambrião, tradicionalmente pontos de pescadores e povos originários, que agora podem ser transformadas em condomínios de luxo voltados às classes de alto poder aquisitivo.

Desde 1999 os Pataxós deflagraram a retomada de seu território e fundaram cinco aldeias no entorno da vila de Cumuruxatiba: Kaí, Pequi, Tibá, 2 irmãos e Gurita. Atualmente há uma decisão do STF em benefício dos Pataxó que reafirma seu direito sobre as terras. No entanto, não há nenhum tipo de fiscalização por parte do estado que garanta a segurança e a efetividade deste direito.

A região onde está a Aldeia Kaí, assim como toda a porção litorânea do sul da Bahia, tem grande importância histórica e cultural para o Brasil, uma vez que foi nesta área que atracaram as primeiras embarcações portuguesas no período do “descobrimento”.

“Essa questão não é só de Pataxó, não é só dos pescadores que nesse momento de fome estão impedidos de pescar, de pegar o seu peixe, porque a carne está cara. É também do interesse nacional. Foi nesse lugar que baixou o primeiro barco das caravelas através de Nicolau Coelho. Isso é um patrimônio nacional e mundial da humanidade. Esse patrimônio está sendo tomado de nós brasileiros. O que está acontecendo aqui é um verdadeiro atentado contra a memória nacional e contra a terra Pataxó e os povos indígenas do Brasil. Está tudo invadido, ninguém tem mais acesso a praia”, alerta Maria Geovanda Batista, que é professora e pesquisadora da Universidade do Estado da Bahia e acompanha a causa há anos.