Ao comprar carne em dois bairros diferentes de São Paulo, clientes do supermercado Extra tem escancarada a desigualdade de tratamento.
Na unidade do Jardim Ângela, bairro paulistano com maior proporção de população preta e parda dos 96 distritos da capital (60,1%) segundo o Mapa da Desigualdade 2020, o produto é pesado, mas o consumidor recebe somente a bandeja - a carne é entregue apenas no caixa, depois de pagar a conta.
Já no hipermercado da Av. Brigadeiro Luís Antônio, a um quarteirão da Av. Paulista, o procedimento é padrão. O açougueiro prepara a carne, etiqueta a embalagem e a entrega ao cliente.
O relato da diferença no processo foi feito pela educadora e gestora operacional da Articuladora de Negócios de Impacto da Periferia (Anip), Fabiana Ivo.
"E agora essa palhaçada. Fui comprar carne para minha mãe no Extra do Jardim Ângela e para a minha surpresa o que foi me entregue, uma bandeja vazia e a informação de que depois de pagar você pega a carne... Que sensação horrível", escreveu Fabiana em publicação no Facebook.
"Isso é uma afronta a toda a população das quebradas, duvido que o mesmo acontece no Extra do Morumbi... Raiva resumiu meu dia...", completou.
Convidada pela coluna de Rodrigo Ratier, do UOL, a educadora voltou ao local e presenciou a mesma situação outras duas vezes.
"O que os funcionários me contaram é que essa prática já tem quase um ano. Começou pelo aumento dos roubos na pandemia, com as pessoas pegando a carne e descartando a bandeja. Também disseram que acontece a mesma coisa em outros [pontos do] Extra nas periferias", afirmou.
Segundo Fabiana, a entrega do produto somente após o pagamento aconteceu quando ela comprou patinho, mas também viu o mesmo procedimento ocorrer com um cliente que levava peito de frango.
Outras carnes menos nobres, como linguiça, carne de porco ou partes mais baratas das carnes no geral são de livre acesso ou entregues já na bandeja ao cliente.
A assessoria de imprensa do supermercado disse ao colunista do UOL que o procedimento trata-se de uma "falha pontual" e que "não faz parte de sua política de atendimento". "Assim que teve conhecimento do fato, a loja tomou providências para que a prática fosse imediatamente descontinuada. A rede segue à disposição para quaisquer esclarecimentos", disse o Extra em nota.
Além de ter a maior proporção de população preta e parda, o Jardim Ângela tem taxa média de emprego formal de 0,5 a cada 10 habitantes com 15 anos ou mais - a média da cidade de São Paulo é 6,7. A idade média ao morrer, 58,3 anos, é a menor entre todos os bairros, e a proporção de habitações em favelas, 53,9%, é a segunda maior do município.