A jurista Gabriela Prioli resgatou o poema “O Navio Negreiro”, de Castro Alves, em seu artigo desta quinta-feira (20), na Folha, para criticar os fundamentalistas que foram protestar à porta do hospital onde estava a menina de 10 anos grávida após ser estuprada pelo tio:
“Os gritos de ‘assassina’ em frente ao hospital me lembraram Castro Alves clamando ao Deus dos desgraçados: seria loucura ou verdade tanto horror perante os céus?”
De acordo com ela, assim que a menina se descobriu grávida “teve início o espetáculo macabro: uma ministra do governo comenta o caso e irrompe a frente antiaborto”.
Ela lembra que “a crueldade da turba diante do hospital pode nos fazer esquecer que eles não são os únicos representantes da fé. O intolerável carrega perigos que vão além da crueldade e do absurdo. Nietzsche nos alerta que, observado por tempo demais, o abismo olha para dentro de nós. Ao condenarmos o intolerável, precisamos cuidar para não nos tornarmos intolerantes”.
“Nem todo religioso é fanático, e essa constatação simples tem relevância fundamental num país em que o Estado é laico, mas o eleitorado, em grande parte, é cristão”, adverte.
Ao final, Prioli afirma: “se uma mulher não fala por todas as mulheres, um negro não fala por todos os negros, um cristão não fala por todos os cristãos. A generalização presta serviço ao fanatismo, porque reduz uma coletividade diversa e complexa ao barulho e ao oportunismo”.