Donos de escolas particulares vem pressionando os governos estaduais e municipais para retomar as aulas presenciais antes da rede pública. Eles dizem ter mais recursos para adotar protocolos de higiene e saúde mais rapidamente.
“A escola pública já tem diversos problemas, uma série de questões que foram acumuladas ao longo dos anos. Não podemos ser colocados na mesma situação e esperar que elas tenham condições para que nós possamos reabrir”, disse Ademar Pereira, presidente da Federação Nacional de Escolas Particulares (Fenep).
Os sindicatos e entidades que representam o setor estão pressionando governadores e prefeitos; pedem desde a liberação apenas do funcionamento da educação infantil, o retorno de um percentual reduzido dos alunos ou apenas dos que estão no 3º ano do ensino médio e vão prestar os vestibulares e Enem. O que, por si só, além dos riscos de contágio, aumentaria a desigualdade e as chances dos alunos que não tem a oportunidade e o ambiente para estudar.
Pereira disse que a flexibilização da quarentena pressiona ainda mais as escolas para a reabertura, pois muitas famílias precisam retornas ao trabalho e não tem com quem deixar os filhos. “Os governos reabriram lojas, shoppings, escritórios, academias. Os filhos dessas pessoas vão ficar com quem? Não sei se elas estão mais seguras fora da escola.”
De acordo com ele, as escolas privadas, por terem menos alunos e mais dinheiro, já fizeram a compra de EPIs (equipamentos de proteção individual), conseguem ter mais espaço para o distanciamento dos alunos e enfrentariam menos resistência dos professores para o retorno às aulas.
O Jornal Folha de S. Paulo mostrou que quase duas em cada dez redes públicas do Brasil sequer começaram a se preparar para retomar as atividades presenciais. O governo Jair Bolsonaro também não criou linha específica de financiamento para colaborar com a educação em meio à pandemia.
Com a queda de arrecadação de tributos, que tem gerado uma crise financeira, estados e municípios não terão dinheiro para as adequações e compras necessárias para a volta às aulas em segurança. Os sindicatos de professores já avisaram que farão greve se forem forçados a voltar a trabalhar presencialmente sem a certeza de que haverá um protocolo adequado de higiene e distanciamento.
“Temos que ter um movimento para separarmos a rede particular da pública, nós temos condições de trabalho muito diferentes. A escola pública tem dificuldade e nós não podemos esperar parados até que resolva essas questões”, disse à Folha Esther Cristina Pereira, presidente do Sinep-PR (Sindicato das Escolas Particulares do Paraná).
Ela disse que já protocolou pedidos de reabertura para que as escolas voltem a trabalhar apenas com 20% dos alunos da educação infantil (dos 0 aos 5 anos) em 30 prefeituras e no governo estadual, mas não obteve resposta. Procurada pela Folha, a Secretaria de Educação do Paraná declarou ainda não ter data de reabertura das escolas e informou que o regramento será estabelecido para todas as instituições de ensino do estado.
No Rio Grande do Sul, o sindicato propõe a volta da educação infantil e dos alunos do 3º ano do ensino médio. “As escolas privadas conseguem cumprir os requisitos de segurança antes. É muito mais fácil para nós do que movimentar toda a máquina pública”, disse o presidente da entidade no estado, Bruno Eizerik.
Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul se manifestou por uma nota e disse ter publicado as orientações que as escolas devem seguir para o retorno das aula. A entidade informou também ainda não ter sido estabelecida a data de volta para nenhuma das redes de ensino.
Movimentação semelhante dos sindicatos patronais acontece no Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal e Santa Catarina.
Especialistas dizem que a pressão das escolas particulares é precipitada e pode colocar as crianças em risco de saúde, sem garantia de melhor aprendizado. “É uma proposta em relação à liberação econômica e não à garantia de segurança e ensino das crianças. Se as autoridades de saúde defendem que ainda não é possível voltar às aulas, isso deve valer para todos”, disse Maria Carmem Barbosa, professora da Faculdade de Educação da UFRGS.