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Por Henrique Rodrigues*
Os municípios ao redor de Serra Talhada, no Sertão do Pajeú, abrigam atualmente mais de 20 assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e de outras organizações. O mais emblemático deles é, sem dúvida, o Assentamento Virgulino Ferreira, localizado quilômetros a dentro das margens da rodovia PE-390. Carregar o nome do Rei do Cangaço é um fardo a mais na jornada tão sofrida desses campesinos que lutam pelo acesso democrático à terra.
Barraca do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), numa feira realizada no bairro AABB, em Serra Talhada - Foto: Henrique Rodrigues[/caption]
Quem também é assentada na região do Sertão do Pajeú é a dirigente nacional do MST Maria Aparecida Pereira da Silva, que atua conjuntamente no Setor de Gênero do movimento em Pernambuco.
Ela acompanha toda a entrevista e é consultada sobre o papel da mulher no campo nos dias atuais, se comparado ao período de Lampião, tão ativo naquela região à época. Cida, como gosta de ser chamada, explica que as funções da mulher são praticamente as mesmas, mas deixa claro que a mudança mesmo foi na forma como a sociedade enxerga esse papel.
"Houve um avanço no papel da mulher no campo, um protagonismo maior, mas a gente continua fazendo as mesmas coisas, que vão bem além do fogão (risos)... Apenas passamos a ser mais reconhecidas."
Os caminhos
Um elemento central existente na travessia do sertão é a criação de caprinos. Esses animais estão presentes na identidade e na cultura nordestina há tanto tempo, que a Fazenda Carnaúba, em Taperoá, na Paraíba, pertencente à família do escritor Ariano Suassuna, resolveu sofisticar sua produção de queijo de cabra e hoje a iguaria é reconhecida em todo mundo. Sob o rótulo "Grupiara", o queijo traz em sua embalagem uma citação escrita de próprio punho pelo autor do "Auto da Compadecida", falecido em 2015, onde se lê “A cabra pode ser um caminho para a revitalização política, literária e econômica do Sertão do Nordeste”.
Nesse sentido, duas imagens que guardo na memória desta reportagem que percorreu as rotas do antigo cangaço estabelecem relação com bodes e cabras, animais protagonistas nos pratos fartos da culinária sertaneja.
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BR-232, uma das principais rodovias que cortam o Sertão do Pajeú - Foto: Henrique Rodrigues[/caption]
Uma delas foi a de um sertanejo vestido com uma velha indumentária de couro surrado, torrado pelo sol, cruzando a BR-232, na altura de Grossos, um distrito do município de Verdejante, em Pernambuco. O homem atravessava a pista com um rebanho caprino, enquanto o trânsito escasso esperava a sua passagem.
A outra, artística por natureza, foi a de uma chibarrada que descansava à sobra de uma frondosa árvore, em frente a uma humilde habitação rural, na estrada de terra que leva ao nascedouro de Lampião. Desconfiado, o dono surge na janela com cara pouco amigável, enquanto fotografo os bichos.
Essas cenas, por mais poéticas que pareçam, revelam o conflito entre dois Brasis. A exemplo do passado quase mítico do cangaço, e mais amplamente do sertão, dissecado por Euclides da Cunha na campanha de Canudos, o que choca, mas também encanta, é a tentativa dos rincões longínquos do país de se desenvolverem, enquanto sua tradição os mantém presos à sua essência.
*Henrique Rodrigues é professor de Literatura Brasileira e jornalista
Esta é a quarta e última parte de uma reportagem especial. Confira as anteriores:
- 80 anos do fim do cangaço
- Serra Talhada, terra de Lampião, a capital do Cangaço
- Coronelismo, o pai do cangaço
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Esta é a quarta e última parte de uma reportagem especial. Confira as anteriores:
- 80 anos do fim do cangaço
- Serra Talhada, terra de Lampião, a capital do Cangaço
- Coronelismo, o pai do cangaço
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