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Desde o fim de julho, o Paraguai enfrenta uma crise política que quase levou ao impeachment do presidente Mario Abdo Benítez. O estopim da polêmica se deu quando foi revelado um acordo secreto com o Brasil para a renegociação dos termos de distribuição de energia da usina hidrelétrica binacional de Itaipu, o que geraria um prejuízo de US$ 200 milhões ao governo Paraguaio.
Mensagens divulgadas entre autoridades em uma espécie de "Vaza Jato" paraguaio contribuíram com a renúncia do ministro das Relações Exteriores, Luis Castiglioni, e três outros altos funcionários, incluindo o diretor paraguaio de Itaipu. “Alta traição” e “extorsão financeira” foram as frases utilizadas por Pedro Ferreira para definir o texto secreto assinado pelos governos de Abdo Benítez e Jair Bolsonaro.
A Fórum elaborou uma cronologia dos acontecimentos para que você entenda a origem e os desdobramentos dessa crise.
27 de março - Início das negociações
Tudo começou no dia 27 de março deste ano, quando a embaixada do Brasil no Paraguai propôs uma reunião para o dia 11 de abril buscando “estabelecer um cronograma da energia de Itaipu a ser contratada em 2019”. A partir de documentos divulgados pela imprensa paraguaia, ficou evidente que o governo do Brasil tomou frente em todo o processo de negociação do acordo bilateral de Itaipu, escolhendo as datas, os itens a serem negociados e redigindo toda a proposta do acordo.
Em 4 de abril, outro documento oficial mostra que o Brasil já havia declarado à chancelaria paraguaia os benefícios que esperava ter com o acordo bilateral. Em resumo, o texto coloca que a intenção do Brasil era “superar a atual divergência entre a Ande e Eletrobrás sobre a contratação de energia da usina de Itaipu”, completando que, na reunião do dia 11, o governo brasileiro “pretende tratar não apenas de estabelecer o cronograma de energia de Itaipu a ser contratado durante o ano em curso, mas também abrir discussões sobre outros pontos”.
11 de abril - Primeira reunião no Paraguai
Pelo lado brasileiro, participaram desta reunião o secretário de Negociações Bilaterais e Regionais das Américas, o embaixador Pedro Miguel da Costa e Silva, a diretora do Departamento de América do Sul e sua assistente e o chefe do setor de Energia da embaixada brasileira. O Paraguai apresentou um vice-chanceler, funcionários diplomáticos e um ex-chefe da hidrelétrica de Yacyretá há muito tempo fora da esfera pública. Nenhum técnico da Ande participou da reunião.
Pelo acordo discutido entre Assunção e Brasília, o Paraguai aumentaria seus gastos em mais de US$ 200 milhões, porque o novo trato obrigava o país vizinho a comprar um volume maior da energia produzida pela usina, o que geraria aumento na conta de luz para os consumidores paraguaios.
24 de maio - Ata é assinada em Brasília
A ata foi assinada em dia 24 de maio, em Brasília, por autoridades brasileiras e paraguaias. O presidente Mario Abdo Benítez sabia dos termos prejudiciais do acordo, e essa teria sido uma das razões pelas quais o documento não foi tornado público até o final de julho.
Reportagem do jornal ABC, do Paraguai, revelou que o advogado José Rodríguez González, que alegava ser assessor jurídico informal do vice-presidente Hugo Velázquez, intermediou a exclusão de uma das cláusulas da ata para beneficiar a a empresa brasileira Léros Comercializadora, que seria ligada à "família presidencial", portanto, à família Bolsonaro.
O advogado teria escrito em mensagem que o item 6 não deveria ser incluído “porque em conversas com o mais alto comando do país vizinho, concluiu-se que não é o mais favorável, a fim de proteger o manuseio prudencial da informação para que a operação em andamento seja efetivada com o maior sucesso”. “Eles vêm em nome da família presidencial do país vizinho”, escreveu o advogado Rodríguez González.
Presidente do Paraguai comenta pressão de Bolsonaro
Ainda de acordo com as mensagens divulgadas pela imprensa paraguaia, o presidente Benítez chegou a relatar uma pressão do governo brasileiro para assinar o documento e pedia ao então presidente da Ande, Pedro Ferreira, que ficasse em silêncio sobre o tema.
Final de julho - Renúncias e anulação do acordo
Depois que o documento do acordo veio a público, o presidente da Ande renunciou, alegando não concordar com os termos assinados.
O acordo então foi anulado e, em seguida, quatro funcionários do governo renunciaram: o chanceler paraguaio, Luis Castiglioni; Alcides Jiménez, que havia assumido o cargo de chefe da companhia estatal de energia Ande depois da saída de Pedro Ferreira; Hugo Saguier, embaixador do Paraguai no Brasil; e José Alderete, diretor paraguaio de Itaipu. A crise também fez com que a ameaça de um pedido de impeachment de Abdo Benítez ganhasse força.
Investigações em curso: suplente do Major Olímpio
Em uma das conversas entre Pedro Ferreira e o advogado José Rodríguez González, é possível identificar o envio de uma carta de intenções, em nome da Léros ao empresário Alexandre Giordano, suplente do senador Major Olímpio (PSL-SP).
Giordano de fato viajou ao menos três vezes ao Paraguai neste ano com executivos da empresa brasileira Léros. Segundo o ex-presidente da Ande Pedro Ferreira, a família Bolsonaro foi citada. Giordano negou representar a Léros. No entanto, na carta de intenções é possível confirmar que ela foi recepcionada pela Ande, em 12 de julho deste ano, e logo enviada por Nicolás Kac Pinto a Alexandre Luiz Giordano. O endereço do destinatário, local onde estão as empresas de Giordano, também é sede do partido de Bolsonaro em São Paulo.
Nessas mensagens, o presidente paraguaio confessa que o país vive momentos difíceis e que o Brasil congelou relações “por não cumprirmos o que firmamos”. Em seguida, Pedro Ferreira responde que o que pediram foi “18% de crescimento anual” e que seria impossível, “seriamos queimados publicamente”, completa.
As mensagens não deixam claro o quanto Ferreira esteve envolvido nas conversas que levaram aos novos termos do acordo, mas de acordo com o jornal paraguaio ABC Color, somente no dia 4 de junho o documento assinado na reunião em Brasília chegou ao conhecimento de Pedro Ferreira.