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Por Marcelo Santos, na Rede Brasil Atual
A proposta era uma mesa de conversa com o tema: “Descolonizando o olhar: o racismo atinge a Igreja?”. A reflexão seria num dos mais tradicionais encontros de jovens evangélicos, o ‘Despertar’, encontro bianual que reúne mais de dois mil jovens da Igreja Batista, e que começou na quarta (17) com término neste sábado (20). O evento ocorre dentro da Igreja Batista Atitude, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, a mesma frequentada pela primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Porém, um dia antes da realização da mesa, na sexta (19), a liderança da Convenção Batista Brasileira determinou que os palestrantes Marco Davi de Oliveira e Fabíola Oliveira fossem desconvidados e a conversa, cancelada.
Mais tarde houve a decisão, por parte da organização do evento, de se manter a mesa, porém de forma esvaziada e sem a participação dos dois painelistas que haviam sido convidados meses antes. Marco Davi é pastor batista há 27 anos, pesquisador, escritor e líder da Nossa Igreja Brasileira, uma igreja que tem como proposta, de forma inédita, inserir elementos da cultura brasileira na liturgia de seus cultos. Já Fabíola é pedagoga, ativista e está à frente da Odarah, projeto que fomenta o empreendedorismo entre os negros.
Ambos negros e de competências plenamente reconhecidas, eles foram excluídos após pressão por parte da liderança batista, que reclamaram que os dois seriam liberais, defensores de práticas ecumênicas com religiões afro-brasileiras, socialistas e defensores do PT. “Eu considero, visivelmente, uma ocorrência racista”, afirmou Fabíola, explicando que no Brasil existe uma falsa ideia de que só é racismo quando a ofensa é violenta. “Na verdade, o fato de nossos corpos pretos serem denunciantes da estrutura racista e de sermos impedidos de falar no congresso, é só juntar um mais um, e dá dois”, resume.
Fabíola foi a primeira a denunciar, nas redes sociais, a enxurrada de ataques virtuais sofridos. O chorume veio, inclusive, de lideranças da denominação, especialmente de um grupo fundamentalista paraeclesiástico batista conhecido como “Coalizão Batista Conservadora”, que se apressou a louvar a decisão da liderança da Convenção Batista Brasileira em impedir a presença dos dois preletores.
Procurado pela reportagem da RBA, o pastor Sócrates de Oliveira Souza, diretor-executivo da Convenção Batista Brasileira, órgão que congrega quase 14 mil igrejas, negou censura ou racismo. “Não houve censura. Seguimos simplesmente um ordenamento interno que não tínhamos observado quando começamos a listar as pessoas. Inclusive eu, que sou negro, participei da roda de conversa”, justificou, explicando que a mesa foi mantida, apesar do “desconvite” aos painelistas.
Segundo ele, a norma do conselho é que os oradores sejam preferencialmente membros de uma igreja Batista integrada à Convenção e que não sejam “polêmicos nas redes sociais”, além de outras questões. “Na minha avaliação primária, acho que os dois não se encaixam na norma”, disse o pastor.
Liberdade, princípio batista
O pastor Marco Davi de Oliveira lamentou o que considerou um grande desrespeito com sua história dentro da congregação. “Como batista – e por isso que gosto de ser batista –, um dos princípios máximos é a liberdade. A Igreja Batista saiu da Igreja Anglicana, no século 16, justamente porque não concordava com a ingerência do Estado sobre ela. Então ela nasce sob a égide da liberdade. Liberdade individual, de consciência, da igreja e liberdade religiosa. Nascemos como batistas com a ideia de liberdade em nosso DNA. Pena que muitos se esqueceram ou nunca aprenderam sobre isso. Nem mesmo aqueles que estão no poder de nossa denominação”, disse Marco Davi, que também é pesquisador sobre cultura brasileira, negritude e fé e autor do livro ‘A Religião mais Negra do Brasil – Por que os negros fizeram opção pelo pentecostalismo?’. “A questão ideológica tem destruído nossa denominação tirando dela seu real princípio, que é o princípio da liberdade”, ponderou.
“O Despertar sempre foi um congresso que primava pela inspiração e pela comunhão. Imagina o que é ter os nossos vários “brasis” num mesmo ambiente. Sempre foi uma experiência única. Nele sempre houve espaço para o plural”, destacou Sergio Dusilek, pastor da Igreja Batista de Marapendi, na Barra da Tijuca. “É uma atitude de uma deselegância sem igual. Nenhum dos dois painelistas ‘cavaram’ para estar ali. Foram convidados justamente, penso eu, pela identificação e qualificação que eles têm”.
Coordenador da Juventude Batista, que organizou o evento, Amnon Lopes se pronunciou nas redes sociais. Explicou que o cancelamento da mesa se deu “por motivos alheios” à vontade da juventude e relatou que algumas pessoas reclamaram que não haveria espaço para o contraditório na mesa sobre racismo. “Na mesa só tem um lado mesmo. Mas é porque contra o racismo, só tem um lado mesmo, gente. Se não é o lado que condena o racismo como prática pecaminosa, não tem outro lado”.
Ainda na noite de sexta, um grupo ligado à Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito panfletou nas dependências e arredores da Igreja Batista Atitude, denunciando a atitude da liderança e lembrando aos jovens evangélicos que uma das principais exortações bíblicas é de que são fortes e podem vencer o mal. Por isso foram escolhidos.