Escrito en
BRASIL
el
"Um dia que jamais vou esquecer." Assim uma jovem de 22 anos classificou o episódio em que foi vítima de um homem que se masturbou em um trem lotado da capital paulista. Estagiária de Direito, que preferiu ter seu nome preservado, ela conta que estava indo para o trabalho, que fica na Vila Olímpia, no dia 9 de fevereiro pela manhã, em um vagão da linha 9 - Esmeralda da CPTM, quando sentiu que um homem havia ejaculado na sua perna.
Quando percebeu, o agressor ainda estava com o órgão genital à mostra. "Foi quando senti um líquido quente invadir minha calça, na região da nádega e da perna direita. Me virei rapidamente para ver o que havia acontecido, e foi quando vi que o homem estava com o pênis para fora e continuava fazendo movimentos. Imediatamente comecei a gritar para que ele parasse, e foi quando se assustou e parou", relatou em postagem no Facebook. Segundo a vítima, o homem teria ainda ejaculado em outra menina e, mesmo diante de seus gritos, ninguém no trem se prontificou a ajudá-la.
Em meio à confusão, uma mulher teria apertado o botão de emergência do trem enquanto ela tentava segurar o agressor. Quando a composição chegou na estação Hebraica-Rebouças, solicitou ajuda dos seguranças. Os funcionários, de acordo com a jovem, detiveram o homem e a levaram para uma sala, onde começaram a questioná-la sobre o episódio e duvidar de sua versão.
"Começaram a me fazer as seguintes perguntas: 'Você viu mesmo isso', 'Ele estava mesmo com o pênis pra fora?', 'Você tem provas do que viu?', 'Ele está dizendo que são gotas de chuva!'. Fiquei incrédula com a reação dos funcionários da CPTM, que deveriam ser pessoas preparadas para lidar com esse tipo de situação, mas claramente não o são", relatou.
Inconformada, a jovem solicitou que fosse levada até uma delegacia para registrar um boletim de ocorrência e que, até conseguir, teve que esperar por aproximadamente 2 horas e meia. À Fórum, a vítima disse que, durante este tempo, os funcionários da CPTM tentavam convencê-la a desistir de prosseguir com o caso.
Quando finalmente chegou à Delegacia da Mulher do Jaguaré, a jovem conta que teve que esperar por mais uma hora e meia até ser atendida por uma delegada plantonista, que teria a tratado com negligência. "Quando mais uma vez achei que seria amparada, a delegada da Delegacia da Mulher, fumando um cigarro em uma sala fechada, pediu para me sentar e quando achei que pudesse contar nos mínimos detalhes o que havia acontecido, ela disse que não queria saber: 'eu pergunto e você responde'", disse na postagem que divulgou nas redes sociais.
À reportagem, a vítima disse que não esperava esse tipo de atendimento. "Tinha muita coisa que eu queria contar, ainda que não fosse tão interessante pro processo, acho que a delegacia da mulher não tem só cunho investigatório, tem que ser uma delegacia acolhedora. Num momento de tanta revolta, ninguém te escuta. Pelo menos na delegacia da mulher eu esperava ser acolhida. O que não aconteceu", desabafou.
Mesmo sem orientações da delegada de como proceder após o registro da ocorrência, a jovem insistiu e, depois de horas, conseguiu ser ouvida por uma escrivã que, segundo ela, foi a única pessoa que a "tratou como gente". A funcionária da delegacia teria passado à vítima o número do inquérito e colocado à disposição um número de telefone para qualquer dúvida.
Como é estagiária de direito, a vítima conseguiu ajuda de advogados para, com o número do inquérito, saber do andamento do processo.
O homem foi conduzido por agentes da CPTM à mesma delegacia e preso em flagrante. Segundo a jovem, que tem acesso ao inquérito, o agressor está em prisão preventiva. No boletim de ocorrência, foi registrado o crime de importunação sexual.
"Sozinha minha voz é baixa diante desta sociedade doente e machista, mas quando nós mulheres unimos nossas vozes ela fica ainda mais forte e melhor de ser ouvida. Esta 'mulher' que se intitula delegada de uma delegacia da mulher não pode estar à frente de um cargo tão importante e significante para nossa sociedade. Mostrou que não tem competência de realizar o seu trabalho de forma eficiente e acolhedora. E o pior, sou eu, você e toda uma sociedade que paga o salário dela todo mês. Lamentável", escreveu a jovem no relato que circula nas redes.
Importunação sexual
A lei que tipifica o crime de importunação sexual foi sancionada pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, em setembro do ano passado. À época, Toffoli assumiu a presidência da República temporariamente por conta de uma viagem do então presidente Michel Temer.
Aprovado em agosto do mesmo ano no Senado, o projeto que deu origem à lei criminaliza homens que se masturbam ou ejaculam em mulheres em locais públicos e sem consentimento. Quem praticar importunação sexual pode pegar de 1 a 5 anos de prisão.
A lei foi sancionada após inúmeros casos parecidos com a da vítima da CPTM que aconteceram no ano passado.
Outro lado
Em nota oficial enviada à Fórum, a secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo informou que um homem de 37 anos foi detido por agentes da CPTM, autuado em flagrante na Delegacia da Mulher do Jaguaré e encaminhado ao sistema carcerário, onde permanece preso.
Sobre o tratamento dado à jovem na delegacia, a SSP deu o seguinte posicionamento: "A Polícia Civil esclarece que as situações relatadas pela reportagem não condizem com padrão de atendimento da instituição. Todos os desvios de
conduta são rigorosamente apurados. Qualquer denúncia sobre a postura dos policiais pode ser registrada junto à Corregedoria, para devida apuração dos fatos".
Fórum tentou contato com a assessoria de imprensa da CPTM, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria. O espaço permanece aberto para a inclusão de um posicionamento oficial da empresa.