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Por Sergio Pantolfi*
São quatro horas da manhã e já começa a se ouvir um burburinho pela casa, o cheiro do café e o biju preparado na mesa. É assim que se acorda todos os dias em Queimada de Claro no semiárido da Bahia. O povoado, que fica a 549km da capital Salvador, tem 340 habitantes e muita, muita história para contar.
Fundado em meados de 1900 pela grande quantidade de lajedos - formações rochosas que podem acumular água - Queimada se estabeleceu como um povoado onde as pessoas podiam ficar em paz e trabalhar nas roças com cenoura, batata, cebola e beterraba.
Porém, o pouco que se sabe da formação da comunidade, se dá através dos moradores mais antigos que vivem lá por muito tempo, e guardam nas lembranças um passado sofrido. É o caso de Dona Lourdes, que, criança, teve que por muito tempo viajar longas distâncias a pé, em busca de água em poços quase secos para poder fazer as atividades básicas da casa, além da subsistência.
Além disso, existia um forte movimento migratório de pessoas que deixavam Queimada, rumo aos grandes centros do Sudeste, principalmente São Paulo. Porém, isso começou a mudar. Com políticas públicas e incentivos estaduais na melhoria da produção agrícola, as coisas começaram a mudar em Queimada.
[caption id="attachment_194015" align="alignnone" width="500"] Lajedo - Formação rochosa que acumula água[/caption]
“De uns 20 anos pra cá que mudou. Eu não lembro exatamente quando chegou a energia. A água encanada é salobra. Para tomar banho com ela, o chuveiro tem que ser frio, porque se colocar o chuveiro quente, o sal da água entope o chuveiro e ele queima. Mas aqui em casa a gente tem chuveiro de água doce, quente, porque nós puxamos a água do poço de água doce que a gente tem. A água doce é só da chuva, porque a água do solo é salobra. A gente coloca as calhas no telhado e o cano, que vai levando a água da chuva pro tanque. Aí a cisterna enche”, diz Dona Lourdes.
Além disso, muitos dos moradores que saíram do povoado quando eram crianças, começaram a voltar, devido à melhoria na qualidade de vida em Queimada. Seu Joaquim, de 75 anos, chegou em São Paulo em um Pau de Arara com 16 anos, desceu no Brás e de lá não sabia pra onde ia. Até que um amigo dele o chamou para trabalhar como ajudante de pedreiro.
Seu Joaquim fez cursos técnicos em áreas metalúrgicas, trabalhou na Arno, Ford e Máquinas Piratininga nos 45 anos que ficou na cidade. Lembra que tinha saudades de casa, mas que não podia voltar. “Ah, eu queria voltar pra Bahia, mas não podia porque tava trabalhando. Queimada tinha trabalho, mas tinha muito pouco, tinha gente que se enfiou pra poder ganhar um salarinho pequeno. Já lá em São Paulo, ganhava mais, que lá era indústria e aqui era na roça”, lembra.
Quando finalmente conseguiu sua aposentadoria, o alegre Seu Joaquim recorda, com o sorriso no rosto, quando voltou para a Bahia. Aí eu trabalhei na Máquinas Piratininga, aposentado e ela deu uma reforma lá nos meus documentos e trabalhei mais um tempo lá e saí e vim embora. Vim aqui pra Bahia e entrei nesse cruzeiro aqui e tô até hoje, aqui é bom demais, mexo nas minhas rocinha e não troco mais por nada nesse mundo”.
Em contrapartida, poucas pessoas conhecem ou sequer já ouviram falar em alguns dos povoados do sertão baiano. Histórias como a de Seu Joaquim andam acontecendo mais do que se imagina.
[caption id="attachment_194017" align="alignnone" width="500"] Seu Joaquim e sua plantação de mamona em Queimada de Claro[/caption]
Para efeitos de comparação, em rápida procura por Queimada de Claro no Google Maps, por exemplo, não é possível encontrar sua localização exata. O mais próximo é o distrito de Paz de Salobro, que fica a 16km de distância da comunidade.
Isso acontece devido aos “desertos de notícia”, segundo o Atlas da Notícia - projeto desenvolvido em parceria do Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor) com o Volt Data Lab -, que publicou em 2017 um levantamento com base em jornalismo de dados sobre a presença ou ausência da imprensa em todo o território nacional.
Um vazio de notícias
Foram identificados cerca de 5.454 veículos de imprensa no país, entre jornais impressos e sites, em 1.125 cidades de 27 unidades federativas. Uma parcela que compreende aproximadamente 130 milhões de pessoas, mais de 60% da população brasileira.
Porém, existe o outro lado da moeda, no qual para entender o conceito de “desertos de notícias”, é preciso olhar para os 4.500 municípios que não possuem qualquer tipo de veículo de comunicação, o que representa 70 milhões de habitantes que não têm registros de meios noticiosos impressos ou digitais.
A jornalista da TV Brasil, Bianca Vasconcelos, que já fez coberturas em locais com falta de recursos noticiosos, como Moçambique, por exemplo, afirma que essas situações ocorrem geralmente em locais onde há falta de estrutura e incentivos governamentais.
No caso de Queimada de Claro, é bem específico porque até mesmo os telejornais que passam na televisão são de lugares do Sudeste. Grandes veículos de comunicação como Globo, SBT e Record tem afiliadas no estado da Bahia, porém, a cobertura não alcança até o sertão. Ou seja, os moradores de Queimada, assistem a notícias da grande São Paulo, Rio de Janeiro e até de Minas, o que não é relevante segundo os moradores.
A cidade de Irecê é a mais próxima que conta com um veículo de imprensa. O Irecê repórter traz notícias sobre o cotidiano da região e, principalmente, matérias policiais, devido à violência no centro-oeste baiano. Mesmo assim, a cidade fica a 120km de Queimada. Então, é raro ver alguma matéria ou até mesmo uma nota falando sobre o povoado.
Além disso, o único portal que transmite algumas notícias sobre a comunidade e distritos vizinhos é o site da prefeitura de Barro Alto - cidade com 20 mil habitantes, responsável pela comunidade de Queimada de Claro – e, mesmo assim, é raro ver matérias que são diferentes de ações da prefeitura ou algo institucional.
Túlio, morador do povoado, afirma que até mesmo em temas triviais a falta de notícias acaba atrapalhando. “Eu mesmo sou corintiano, por quê? Porque aqui sempre passou jogo de futebol dos times lá de São Paulo e do Rio. Aí virei corintiano mesmo, se tu for lá pras praia, vê torcedor do Bahia, Vitória, mas por aqui é difícil viu?”.
Alternativas
Com a internet no Sertão, muita gente consegue se comunicar via redes sociais. Por isso, os moradores de Queimada fizeram um grupo no Whatsapp com todos os moradores de lá. O grupo serve para desde discutir pautas importantes para o bem-estar do povo, como para trocar informações e notícias acerca dos mais variados assuntos. Ou seja, a comunicação é toda feita via web. Também é possível notar um senso de coletividade no povoado. Como é um local muito pequeno, muitos tentam se ajudar da melhor maneira possível.
*Sergio Pantolfi é estudante do último ano de Jornalismo na Unesp