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No Congresso Nacional, até o final de 2017, havia 17 projetos de lei sobre a maconha, sendo que somente três tratam da flexibilização das regras. Os outros 14 buscam o endurecimento para os usuários. Uma das propostas que busca regular a produção, comércio e consumo de maconha é do deputado federal Jean Wyllys (PSL-RJ). Proposto em 2014, o Projeto de Lei 7270, está tramitando no Congresso até hoje. Para o parlamentar, é imprescindível romper com a lógica do tráfico, transferindo o controle das drogas para o Estado. Jean Wyllys conta à Fórum os objetivos e a importância de uma regulação para enfrentar à guerra às drogas.
Fórum – Você apresentou, em 2014, o Projeto de Lei 7270, que prevê a regulação, produção, industrialização e comercialização da maconha. Pode comentar sua proposta e o que o motivou a elaborá-la?
Jean Wyllys – A proposta parte das mesmas premissas que motivaram outras ações semelhantes em todo o mundo: a percepção de que, primeiro, a guerra às drogas, como é empreendida hoje, custa muito caro e não traz resultados, e que, além do custo financeiro, o custo social é muito maior, à medida em que o Estado passa a se valer da lei de drogas, em conjunto com outras formas de criminalização dos mais pobres, como meio de fazer gestão social através da polícia e das iniciativas de segurança pública. E o resultado é o hiperencarceramento da juventude negra e pobre e os altíssimos índices de assassinatos dessa juventude nas periferias, seja por ação do tráfico ou das polícias. Vale lembrar que a criminalização do “pito do pango”, a maconha fumada pelos negros, ex-escravos moradores dos cortiços do centro da cidade, no Rio de Janeiro, se deu como forma de mantê-los nas periferias, uma faxina social empreendida pela ação seletiva das polícias. O mesmo vale para a criminalização da maconha nos Estados Unidos, relacionada aos imigrantes mexicanos, e à criminalização na Europa, com os imigrantes turcos e árabes. Em segundo lugar, o que está em jogo é a liberdade e a autonomia de quem deseja fazer uso medicinal ou recreativo da maconha, tutelada de forma injustificável pelo Estado, que atende a interesses diversos das indústrias farmacêuticas e têxteis - vale lembrar também que a maconha já é um dos principais cultivares agrícolas em todo o mundo, e servia para a produção de papel e de tecidos, com custo baixo, a ponto de inviabilizar as fibras sintéticas que estavam em desenvolvimento.
Fórum – A elaboração dessa proposta foi baseada em algum outro modelo de flexibilização das regras, que já exista em outro país?
Jean Wyllys – Sim, há uma compilação de outras políticas exitosas em prática, sobretudo na forma de regulação do comércio e da produção para uso próprio e coletivo.
Fórum – Seu projeto prevê fiscalização do uso da maconha e qual seria o limite do uso e em quais situações?
Jean Wyllys – Assim como há fiscalização sobre o tabaco e o álcool, é proposta uma fiscalização da qualidade da erva vendida, dos pontos de venda, a proibição da venda a menores, distância mínima de escolas, entre outros. Não se define limite de uso ou em que situações se admite seu uso, pois isto seria uma regulação ineficaz. A decisão é do usuário, tendo por base as campanhas de conscientização para o uso, da mesma forma como ocorre com o cigarro de tabaco e o álcool. É importante ter em mente que o uso da maconha tem um risco social menor que o de outras substâncias cujo uso é legalizado e liberado, apesar do estigma que ela carrega enquanto droga ilícita.
Fórum – Acredita que a aprovação do PL pode ajudar significativamente no combate ao narcotráfico e à indústria da droga no país? Por quê?
Jean Wyllys – Sim. Ao contrário do que dizem certos opositores ao projeto, não há nenhum traficante desejoso pela legalização, pois é justamente a ilegalidade que garante o lucro das organizações criminosas. Países onde a repressão às drogas é maior e mais violenta são aqueles em que há os maiores lucros com o comércio e os maiores índices de corrupção de agentes públicos, e nada disto é mera coincidência. Legalizar significa enfrentar a concorrência do comércio formal, de produtos com maior qualidade. Significa a mesma coisa que significou aos cartéis mexicanos, quando da legalização da maconha em alguns dos estados norte-americanos. É inegável o efeito sobre os lucros do narcotráfico. É claro que não se apresenta aqui uma solução mágica, porque não existe solução mágica em canto algum do mundo. O que sabemos é que, de fato, da forma como é empreendida, o crime organizado vem ano a ano crescendo, se armando e se tornando um poder paralelo e até mais forte que o próprio Estado.
Fórum – No momento em que a sociedade cobra um amplo debate sobre o assunto, dados do final de 2017 indicam que há 17 projetos de lei para apreciação no Congresso, relacionados ao tema. Desses 17, apenas três preveem a flexibilização das regras. Os outros 14 buscam o endurecimento para os usuários. Por que há tenta resistência do Congresso em discutir esse tema, que é tão importante? Como está a tramitação do seu projeto de lei?
Jean Wyllys – O projeto tramita apensado a outros projetos que tratam sobre o tema. O processo é longo e enfrenta resistências, porque qualquer assunto que trate sobre liberdade e autonomia, ainda mais em um tema tabu como as drogas, enfrenta o oportunismo de bancadas autoafirmadas “defensoras da moral e dos bons costumes”, mas que não raro têm sua ligação com o crime organizado exposta nos jornais. O oportunismo no debate (ou, na verdade, no não debate) do tema é eleitoreiro, sobretudo. Fui vítima, inclusive, de um desses deputados, que patrocinou com verbas públicas a falsificação de um vídeo tentando associar meu projeto com um discurso racista. O deputado foi, inclusive, condenado pelo ato, em ação movida no STF.
Fórum – Qual a sua opinião em relação ao tratamento que deve ser dado às outras drogas?
Jean Wyllys – É preciso que cada uma seja vista em suas especificidades, a fim de se pensar em legalização. De qualquer forma, o que meu projeto prevê é que o usuário, seja de maconha ou de outra droga, seja visto não mais pelo aspecto penal. Isto é muito importante na hora de se tratar dos casos em que há uso problemático de alguma droga, seja ela legal ou ilegal. Quando o usuário é visto como um criminoso, o acesso à educação, conscientização e tratamentos é prejudicado. Não se pode fazer campanha para o uso consciente de algo que a lei diz que é proibido. As poucas iniciativas que prevejam uma rede de redução de riscos para os usuários de drogas - como a distribuição de seringas para usuários de drogas injetáveis ou o serviço de acompanhamento para usuários de crack -, sem que eles sejam impedidos de fazer o uso, em geral, encontram grandes resistências dos poderes públicos e quase sempre são tocadas por poucas universidades, como projetos acadêmicos.