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[caption id="attachment_129505" align="alignnone" width="720"] Carlos Zacarias: "O juiz demonstrou que mais grave do que permitir que essa disciplina exista seria interceder na autonomia da universidade, cerceando debate, a livre expressão de pensamento e a livre circulação de ideias" - Foto: Reprodução/Facebook[/caption]
“Uma decisão de grande importância. Estávamos preocupados, embora confiantes, principalmente diante desse quadro, que é muito preocupante no Brasil. A suspensão da disciplina abriria um grave precedente na instituição, porque seria uma decisão contra o artigo 207 da Constituição Brasileira, que diz que a universidade goza de autonomia científica, didática e pedagógica”. Foi dessa forma que o professor Carlos Zacarias de Sena Júnior, do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Bahia (UFBA), reagiu à notícia de que o juiz Iran Esmeraldo Leite indeferiu liminar pedida pelo vereador Alexandre Aleluia, líder do DEM na Câmara Municipal de Salvador, que tentou impedir a criação da disciplina “Tópicos Especiais em História: o golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”, criada por Zacarias. O professor chegou, inclusive, a ser convocado a prestar esclarecimentos na Justiça.
Fórum – O Ministério Público indeferiu liminar pedida pelo vereador Alexandre Aleluia, líder do DEM na Câmara Municipal de Salvador, que queria impedir a criação da disciplina “Tópicos Especiais em História: o golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”, proposta pelo senhor. Como observou essa vitória da autônima da universidade?
Carlos Zacarias – A liminar pedida pelo vereador Alexandre Aleluia é uma demonstração de que ele não conhece a universidade, não sabe como funciona, que ele não tem apreço pela democracia, porque tentou cercear, porque tentou censurar uma disciplina criada dentro da normalidade da instituição, como o juiz reconheceu e expressou em sua decisão. Há outra ação movida contra nós, por parte de grupos de extrema direita, e nós vamos responder, assim que a Justiça pedir a nós esclarecimentos. Vimos com muita preocupação, porque não é habitual que professores da universidade quando oferecem disciplinas sejam interpelados por quem quer que seja sobre o motivo de oferecer essa disciplina. Quando as disciplinas são oferecidas, os professores estão desenvolvendo pesquisas, desenvolvendo reflexões, estão dialogando com seus pares sobre a oferta dessa disciplina. Então, a disciplina que ofertamos cumpriu todos os trâmites da universidade. Para surpresa nossa, o vereador entrou com essa ação. Felizmente, a Justiça reconheceu que a universidade tem autonomia para decidir sobre isso. O juiz, na sua decisão, demonstrou que mais grave do que permitir que essa disciplina exista seria interceder na autonomia da universidade, cerceando debate, a livre expressão de pensamento e a livre circulação de ideias, que é o que a universidade faz e é como ela funciona.
Fórum – Durante o processo, o senhor foi intimado a prestar esclarecimentos à Justiça. Chegou a depor?
Carlos Zacarias – Eu fui intimado a prestar declarações, mas a intimação não pressupunha que eu fosse lá. Podíamos até ter solicitado falar diretamente com o juiz, mas optamos por fazer essa manifestação por escrito. Eu me reuni com advogados, recebi muitas ofertas de escritórios de advocacia e de advogados, que, individualmente, se dispuseram a me defender, de entidades que se colocaram à disposição para defender a mim e a universidade, defender a democracia. Eu aceitei a oferta de um escritório de advocacia, que existe em Salvador há muitos anos, e defende muitos sindicatos. Um dos advogados já era um velho conhecido meu, o dr. Mauro Menezes. Esse escritório me defendeu e fez junto comigo a representação solicitada pelo juiz. Nós protocolamos isso na sexta-feira (23), dia que se encerrava o prazo, e ontem (28) o juiz deu essa manifestação contrária à liminar solicitada pelo vereador do DEM.
Fórum – O que o vereador Aleluia alegava para pleitear na Justiça a proibição da disciplina e quais foram seus contra-argumentos?
Carlos Zacarias – O que o vereador alegava na sua tentativa de proibir a disciplina é que ela fazia proselitismo partidário, que atendia interesses que não os públicos, interesses de grupos privados, tudo aquilo que a gente tem visto aí pelas ruas, que é uma parte da narrativa que se constituiu no Brasil desde o golpe de 2016. Ou seja, a ideia de que nós não podemos dizer que foi golpe ou não podemos lutar contra o golpe. É uma ideia equivocada, que diz que nós todos pensamos igual em relação ao que foram os governos do PT. É uma ideia que diz que todos nós temos a mesma avaliação do que foi a experiência do PT no governo, que é falsa. O que nos unifica todos hoje é que, independentemente das nossas diferenças de avaliação do que foi o governo do PT, uma presidente eleita com 54 milhões de votos não podia ser destituída do cargo da forma como foi, sem que nada se provasse contra ela. Os argumentos do vereador Alexandre Aleluia, que não moveu a ação como vereador, mas como cidadão, o que é um direito dele, destoam completamente da democracia como a gente a concebe. Os nossos contra-argumentos foram alegando os trâmites pelos quais a disciplina passou, o fato de que essa disciplina foi chancelada no âmbito do departamento, do colegiado, da congregação da minha universidade. Nós juntamos aos nossos argumentos diversas moções de entidades, como a ANPUH Brasil (Associação Nacional de História). Havia muitas outras manifestações que nós optamos por não juntar, houve uma inflação de manifestações, o que demonstra que há ampla resistência contra o golpe, mas nós optamos por não anexar, pois não achamos que seria o momento, que seria necessário. Nosso argumento foi que a universidade tramitou por onde tinha que tramitar e a universidade estava acobertada e protegida pelo que está escrito no artigo 207 da Constituição Brasileira, que ainda não foi revogada, que diz que a universidade goza de autonomia científica, didática e pedagógica e que é no âmbito da universidade que essas questões todas se decidem. Esses foram nossos argumentos principais, entre outros tantos que nós elencamos e o juiz felizmente acatou.
Fórum – Em um momento tão agudo do país, com manifestações de ódio, violência e intolerância, isso reafirma a importância da disciplina sobre o golpe de 2016 na universidade?
Carlos Zacarias – A decisão é de grande importância. Estávamos preocupados, embora confiantes, com a decisão do dr. Iran Esmeraldo Leite. Diante desse quadro, que é muito preocupante no Brasil, nós temíamos pelo pior. A suspensão da disciplina abriria um grave precedente na instituição, porque seria uma decisão contra o artigo 207, contra a autonomia universitária. E diante do quadro que a gente está vivendo, especialmente nesta semana, quando vimos essas manifestações que são absolutamente preocupantes, manifestações de extrema gravidade contra uma caravana de pessoas que estavam no Sul do país, acompanhando o ex-presidente Lula, culminando com o fato ocorrido na terça-feira (27), no Paraná, quando tiros foram disparados contra os ônibus. Isso é muito grave. Isso deve preocupar a nós todos, os democratas, aqueles que esperam e defendem e querem muito viver em um país onde a liberdade que nós conquistamos com muita luta, desde o fim da ditadura, seja preservada, seja mantida. Então, esses fatos, desde o assassinato de Marielle Franco e o motorista Anderson, desde a intervenção federal no Rio de Janeiro e que nesta semana culminou com os tiros disparados contra a caravana do presidente são muito preocupantes, muito graves e devem merecer, de todos nós, que somos do campo progressista, um repúdio total peremptório, sem nenhum tipo de hesitação. Então, essa decisão nos dá um alívio, dá a expectativa de que nós podemos resistir, representar as nossas posições e que podemos permanecer defendendo a democracia. A decisão do juiz veio ao encontro de nossas expectativas, embora estivéssemos apreensivos. O importante é que diante de tudo que estamos passando, nós ainda podemos resistir e em alguma medida a Justiça também pode prevalecer contra todo o tipo de arbítrio que tem se instalado no país.