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Por Otavio Antunes
A primeira vez que vi Alfredinho, sentado em uma singela cadeira de madeira do lado de fora do próprio bar, não imaginaria que aquele senhor de 74 anos, voz rouca e jeito rude (pelo menos a primeira vista), seria parada e papo constante de minhas visitas ao Rio.
“Não tá vendo que tô no telefone FDP.” Foi a primeira frase a mim dirigida. Segurando um velho telefone sobre a mesa, enquanto eu tentava pagar a conta. “Tenho esses projetos aqui, esse menino precisa de ajuda na universidade, essa senhora precisa de móveis porque deixou a casa onde era espancada pelo marido”. E lá deixei algum dinheiro.
- “Ouçam o samba porra! Se quiserem falar alto tem um monte de bar por aí!” Suas broncas fazem parte do folclore do Bar. E suas histórias....que maravilha ouvi-las.
Sempre que posso vou pelo menos dar um abraço. E agora sei porque aquele telefone toca tanto. Gente como eu que, vez ou outra, liga pra falar sobre nada.
- não vai trazer sua filha porra?
- Logo logo Alfredinho.
- Estamos indo pra Rússia. Centenário porra, vamos?
- Não dá amigo
- Bunda mole
Enfim, tudo isso pra dizer que um policial federal rodoviário debochou de uma homenagem a Marielle feita em seu bar. Hostilizado, foi embora e voltou armado. Pouco depois uma viatura da própria polícia federal rodoviária apareceu (vindo de alguma estrada certo?) e levaram Alfredinho para o distrito alegando que alguém teria empurrado o colega da corporação.
Alfredinho, que se orgulha de ter uma pequena ilha de pensamento crítico, cerveja gelada e música boa na zona sul, como uma embaixada, se viu violado e aviltado. Tudo isso porque o colapso do Estado de Direito, fruto de um golpe de Estado, deu poder a várias bestas fera como esse policial. Ou a desembargadora que zomba e espalha mentira sobre Marielle. Ou o delegado que faz o mesmo.
São pequenas frações do Estado que aproveitam a desordem institucional pra também brincarem de “autoridade”, ao arrepio da lei e da Constituição. Copiam Moro e o moço do “powepoint”. Tornaram-se mais que agentes do Estado, são donos dele. E se comportam assim.
Nos resta, com toda a força que nos mantém em pé no mais duro dos dias, lutar para que um dia nossos filhos e os filhos dos outros voltem a respirar tranquilamente. Sem essa maldita sensação de apneia. Venceremos.
Te ligo depois pra dar um abraço amigo. Fique firme e bem.