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Três escolas na Diretoria Regional de Ensino do Ipiranga já foram avisadas que terão apenas períodos parciais para a educação infantil no próximo ano
Por Rodrigo Gomes, na RBA
A gestão do prefeito da capital paulista, João Doria (PSDB), decidiu encerrar o atendimento em período integral de três escolas de ensino infantil – crianças de 4 e 5 anos – na Diretoria Regional de Ensino (DRE) do Ipiranga, sem qualquer diálogo com as famílias que hoje são atendidas. Com isso, em 2018, as crianças passarão a frequentar as aulas somente no período da manhã ou da tarde e muitos pais reclamam de não ter com quem deixar os filhos durante o período em que deixarão de ser atendidos pela rede municipal. A medida contradiz o discurso de Doria na campanha eleitoral, quando prometeu expandir o ensino integral.
“Vou ter uma filha em cada escola, mais um filho em outra. Dois em meio período e outro, em tempo integral. Fica totalmente sem condições para levar, buscar, cuidar. A unidade pra onde querem mandar fica longe. Assim, vou ter de largar o trabalho pra cuidar deles”, afirmou à RBA a operadora de telemarketing Jaqueline Nicolau. Atualmente, as meninas estudam no Centro Municipal de Educação Infantil (Cemei) Dom Gastão, unidade conveniada à prefeitura, no Bom Retiro. O menino estuda em uma unidade estadual, a apenas quinhentos metros de distância da escola das irmãs.
“Eu e meu marido não podemos largar nossos trabalhos. Elas estudarem em período integral é fundamental pra gente conseguir se organizar. O meu filho já fica com uma pessoa, a quem pagamos. Não podemos ter mais um filho nessa rotina”, explicou. Jaqueline ainda não foi avisada pela prefeitura se a filha mais velha vai para a Emei Antonio Figueiredo Amaral ou a Emei Alceu Maynard. Ambas as unidades ficam a mais de dois quilômetros de distância da escola em que as meninas estudam hoje.
Por decisão da gestão Doria, a Dom Gastão deixará de atender as crianças na pré-escola, mantendo somente a creche, que redebe crianças de 0 a 3 anos em período integral. Serão 84 crianças de 4 e 5 anos distribuídas entre as Escolas Municipais de Ensino Infantil Antonio Figueiredo Amaral e Alceu Maynard, que deixarão de atender em período integral para receber as crianças transferidas.
A DRE Ipiranga comunicou as direções das unidades da decisão, mas ainda não foi emitido qualquer documento oficial da Secretaria Municipal da Educação de São Paulo, segundo servidores ouvidos pela RBA. As unidades Dom Gastão e Alceu Maynard de Araújo publicaram a informação nas redes sociais. A unidade Antonio Figueiredo Amaral realizou reunião de pais nesta segunda (18) para comunicar a mudança. Nessa escola, a gestão Doria já fechou a sala de informática para abrir salas de aula.
Além disso, o fechamento pode deixar algumas salas ociosas. Hoje a escola atende sete turmas durante oito horas. Ano que vem serão quatro turmas pela manhã e quatro de tarde, deixando três salas vazias. Na reunião, os pais foram informados que não houve possibilidade de discussão sobre a medida. As famílias pensam em se manifestar contra a decisão da gestão Doria.
Não é a primeira vez que a gestão Doria sacrifica a educação de algumas crianças para garantir vagas de outras – e assim "cumprir" promessas de campanha. No início do ano a gestão fechou salas de leitura, brinquedotecas e outros espaços em 33 escolas para abrir novas salas de aula.
O prefeito mantém congelada ou não executada a maior parte do orçamento municipal destinado à construção de CEIs, Emeis e unidades educacionais. Dos R$ R$ 14,8 milhões reservados a novas Emeis, só R$ 1,3 milhão foi liquidado desde o início da gestão. E dos R$ 110,4 milhões para construção de creches, R$ 61,5 milhões estão congelados e só R$ 12,5 milhões foi liquidado.
O zelador de condomínio João Lima de Souza avalia que a prefeitura devia abrir novas creches e não prejudicar algumas crianças para conseguir vagas para outras. “Não é justo fazer isso. O correto é abrir mais vaga construindo creche. E não tirando o pouco atendimento integral que já tem”, criticou.
João destacou que hoje conta com o auxílio de seu empregador, que lhe permite a saída no fim da tarde para pegar o filho de quatro anos no Cemei Dom Gastão, que fica bem perto do local onde trabalha. “Vai ficar muito difícil se o menino for pra outra escola, mais longe e com só um período. Eu espero muito que o prefeito repense isso, vou torcer muito. Não sei como vai ser”, lamentou.
Para a auxiliar de cozinha Rayane Rodrigues Soares a situação é ainda mais complicada. O filho Ryan, de cinco anos, tem microcefalia e, atualmente, fica em período integral na Cemei Dom Gastão. “Ele teria mais um ano ainda nessa escola. Era tempo pra gente se organizar. Se ele for para outra escola, não sei como vou leva-lo, nem busca-lo, nem tenho com quem deixá-lo no resto do dia. Somos só nós, não temos nem parentes por perto".
Rayane ainda destaca o desenvolvimento do filho, que aprendeu a andar e só conseguiu deixar de usar fralda depois de conviver na escola. “Eu vou lutar até o fim porque nós precisamos muito desse atendimento em período integral. Não temos condição de pagar alguém ou uma escola particular em período integral. Ou terei de largar o emprego pra ficar com ele”, lamentou ela, que tem outro filho, de três anos, aluno da mesma escola. “Como vou fazer com cada um em um lugar?”, questionou.
A falta de outro programa educacional ou social para atender as crianças é mais uma preocupação para os pais. Todas as crianças que ingressam no ensino fundamental na rede municipal paulistana, a partir dos seis anos, podem ser inscritas em atividades socioeducativas nos Centros da Criança e Adolescente (CCA), com atividades geralmente realizadas em ONGs conveniadas, durante o contraturno escolar. Porém, não há programa desse tipo para atender as crianças de 4 e 5 anos.
A diarista Lindalva Ribeiro, cuja filha de cinco anos estuda na EMEI Antonio Figueiredo Amaral, está indignada. "É um absurdo fazer isso. Não se pode garantir a educação de alguns prejudicando o que os outros já têm. Eu já tenho de deixar minha filha com uma moça porque entro às 7h no serviço e a escola só abre as 8h. Como vou fazer pra pegar ela no meio do dia?", questionou. Pelo cuidado ela paga R$ 100 por mês. "Vou ter que pagar mais", lamentou.
A atendente Alessandra Neves dos Santos, também acha que a gestão Doria devia usar o dinheiro que tem para construir creche "e não fazer gambiarra". "Isso vai ser muito ruim pros pais. Meu marido deixa e eu venho buscar. Nossa vida está bem organizada e isso vai complicar muito", concluiu.
A Secretaria Municipal de Educação não se manifestou sobre o assunto até o fechamento desta reportagem.
Foto: Rodrigo Gomes/RBA