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"Se eu coloco um policial da periferia para lidar, falar com a mesma forma, com a mesma linguagem que uma pessoa da periferia fala aqui no Jardins, ele pode estar sendo grosseiro com uma pessoa do Jardins que está ali, andando" disse o novo comandante da Rota, reforçando a distinção de tratamento de acordo com a classe social
Por Ivan Longo
Dois estudos recentes sobre violência revelaram dados estarrecedores. O Atlas da Violência 2017 mostrou que os negros são as maiores vítimas de homicídio no Brasil, muitos deles causados por policiais. A cada 100 pessoas assassinadas no país, 71 uma são negras, aponta a pesquisa. Um outro estudo, este realizado pela própria secretaria de Segurança Pública de São Paulo, mostra que o número de pessoas mortas pela polícia do estado no primeiro semestre de 2017 é o maior em 14 anos.
É neste cenário que o novo comandante da Rota - tropa de elite da Polícia Militar de São Paulo - vem a público defender que a PM atue de maneira diferente em um bairro nobre como os Jardins da que atua nas periferias. No estado em que a polícia mais mata do Brasil e que a maior parte dessas vítimas são jovens negros periféricos, o principal perfil da vítima de homicídio no país, o comandante da polícia militar reforça a distinção de tratamento de acordo com a classe social.
"É uma outra realidade. São pessoas diferentes que transitam por lá. A forma dele abordar tem que ser diferente. Se ele [policial] for abordar uma pessoa [na periferia], da mesma forma que ele for abordar uma pessoa aqui nos Jardins [região nobre de São Paulo], ele vai ter dificuldade. Ele não vai ser respeitado", afirmou, em entrevista ao UOL, o comandante Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araújo.
A fala de Araújo só reforça a maneira como a polícia já atua mas, mais do que isso, revela o motivo pelo qual tantos jovens de periferia são abordados, detidos e muitas vezes mortos por portarem pequenas quantias de droga - quando estão -, enquanto muitos traficantes de universidade que moram em bairros nobres continuam atuando às vistas grossas.
O exemplo da diferença de tratamento entre Rafael Braga, jovem negro de periferia que está detido há mais de um ano em uma decisão baseada apenas em depoimentos de policiais, e Breno Fernando Solon Borges, filho de desembargadora, detido portando mais de 100 quilos de maconha e munição pesada mas transferido para uma clínica com um habeas corpus, ilustra muito bem esse tipo de visão.
"Se eu coloco um policial da periferia para lidar, falar com a mesma forma, com a mesma linguagem que uma pessoa da periferia fala aqui no Jardins, ele pode estar sendo grosseiro com uma pessoa do Jardins que está ali, andando", completou, na mesma entrevista, o comandante.