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"A implantação de cotas raciais na USP é a sua primeira abertura verdadeiramente democrática, pois é a primeira fissura que se abre dessa barreira que parecia intransponível e que rompe o cordão umbilical com a elite cafeeira 8 décadas depois do seu surgimento, fruto de uma luta histórica do movimento social negro que nunca deixou apagar o histórico de escravismo, o racismo estrutural e a necessidade de reparações". Leia mais na coluna de Joselicio Junior
Por Joselicio Junior
O dia 4 de julho de 2017 entrará para história como o dia que a maior universidade brasileira inicia o seu processo de democratização. Após mais de um década e meia de implementação do sistema de reservas de vagas nas mais diversas universidades do país, 5 anos após o STF declarar como constitucional as cotas raciais, finalmente a USP aprovou no seu Conselho Universitário a adoção de cotas sociais e raciais para o vestibular de 2018.
Mesmo com dados abundantes comprovando que a política de reserva de vagas não rebaixa a qualidade de ensino, que os estudantes cotistas sempre tiveram desempenho igual ou melhor aos demais estudantes, que a ideia de meritocracia é impossível de ser alcançada em uma sociedade profundamente desigual - mostrando que o vestibular é um grande funil social - a maior universidade do país se recusava a fazer esse debate.
A resistência da USP em discutir cotas tem um significado histórico. O seu surgimento em 1934 foi uma estratégia da elite paulista cafeeira que acabava de perder sua hegemonia na política nacional para Getúlio Vargas, com o objetivo de formar uma nova elite intelectual capaz de retomar o seu protagonismo. De lá para cá, diversos ministros do STF, desembargadores, jornalistas da grande mídia, grandes empresários, economistas e médicos se formaram lá, sem contar as inúmeras pesquisas da medicina, biologia, química, engenharia, arquitetura e nas mais vastas áreas que sempre atenderam os interesses da elite. Esse é o ponto para tanta resistência.
A implantação de cotas raciais na USP é a sua primeira abertura verdadeiramente democrática, pois é a primeira fissura que se abre dessa barreira que parecia intransponível e que rompe o cordão umbilical com a elite cafeeira 8 décadas depois do seu surgimento, fruto de uma luta histórica do movimento social negro que nunca deixou apagar o histórico de escravismo, o racismo estrutural e a necessidade de reparações.
Para os desavisados de plantão que falarão que cotas é migalha vale, destacar que a USP é uma universidade pública e financiada pela maioria da população que não está representada na composição de estudantes. 5% do ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) do Estado de São Paulo são para financiar a USP, como todos os produtos e serviços que consumimos possui este imposto. Como os tributos no Brasil se concentram no consumo e não na renda, os pobres são os que proporcionalmente mais pagam impostos. Se fizermos um recorte étnico–racial veremos como é desproporcional o quanto que a população negra em São Paulo financia a universidade e o seu percentual dentro dela.
Vários estudos apontam o quanto o acesso ao ensino superior é um canal de ascensão social das famílias mais pobres. Portanto, ampliar o acesso a universidade é uma forma bastante eficiente de combater a violência e enfrentar outros problemas sociais derivados da profunda desigualdade em nosso país.
O ingresso é apenas o primeiro passo, ainda teremos o debate de permanência, do currículo, do acesso a pós-graduação. Vale destacar que dos 6 mil professores da universidade apenas 120 são negros, sendo sua ampla maioria no campo das ciências exatas. Diversificar a universidade também significa diversificar a produção de conhecimento, possibilitar múltiplos olhares e colocar o conhecimento a serviço da sociedade e não apenas de uma elite.
*Joselicio Junior, mais conhecido como Juninho é jornalista, presidente estadual do PSOL – SP e militante do Círculo Palmarino, entidade do movimento negro
Foto: Jornal da 2204