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Não é possível combater as ideologias fascistas reforçando o machismo e o racismo. Gasta-se mais tempo discutindo forma do que conteúdo. O binarismo só reforça estereótipos. Não é uma questão de solidariedade, mas de que sociedade e valores queremos construir.
Por Joselicio Junior
Nos últimos dias ocorreram duas polêmicas que me chamaram a atenção. A mais recente foi a entrega do Troféu Imprensa no SBT, no último domingo (9), quando Silvio Santos, ao entregar prêmio para Raquel Sheherazade (foto), afirmou que contratou a jornalista por conta da sua beleza e não para dar opinião: “Eu te chamei para você continuar com a sua beleza, com a sua voz, foi para ler as notícias e não dar a sua opinião. Se quiser falar sobre política, compre uma estação de TV e faça por sua própria conta”.
A outra polêmica que já está rolando há alguns dias é sobre o bate-boca durante a entrevista do Vereador paulistano Fernando Holiday (DEM/MBL) para o Jornalista da Rádio Bandeirantes Fabio Pannunzio para tentar explicar o caixa 2 em sua campanha. Eu afirmei no meu último artigo, “A vida é dura Holiday”, que a atitude do jornalista foi racista e isso gerou um grande debate nas redes sociais.
A postura de Silvio Santos reforçou o discurso da “bela, recatada e do Lar” ao afirmar que a jornalista deveria se preocupar com o seu novo casamento, em ter mais filhos e não se posicionar politicamente, tudo para preservar os seus interesses econômicos. O patrão só faltou dizer que o lugar de mulher é na cozinha, cuidando dos filhos e do marido. Fabio Pannunzio, em seu blog, logo após o bate-boca no rádio, disse que “Fernando Holiday foi eleito com a promessa de mudar as velhas práticas políticas que transformaram o país nisso que ele virou. Não tinha o direito, nem por um deslize, de se valer de práticas que ele e o MBL deploravam. Ele era o garoto da mudança. O novo vestido de novo. Gay, preto e honesto. Uma boa aposta para o futuro”, ou seja, o seu discurso perfeito de negro, gay, honesto, acrescento de direita, não fazia mais sentido, portanto, a sua traição merecia a dura que ele levou, ele precisava ser colocado no devido lugar.
O que esses dois casos têm em comum? Primeiro são as características dos personagens. Tanto Sheherazade como Holiday são bastante conhecidos por seus discursos raivosos, carregados de estereótipos, preconceitos, com tons xenofóbicos, lbgtfóbicos, machistas, racistas, ou seja, um conjunto de narrativas que constroem um discurso fascista e intolerante. Ambos, nos casos descritos acima, foram vítimas do próprio discurso que são reféns.
O segundo ponto em comum foi o sentimento de revanchismo gerado em longos debates nas redes sociais, principalmente do campo progressista e de esquerda. Houve muitas afirmações de “bem feito”, “merecido”, até foi machismo, até foi racismo, mas não me solidarizo com fascista, diziam, sem contar as chacotas e piadas que reforçam o machismo, o racismo e a lgbtfobia.
Esse debate todo abre uma janela enorme de discussão, principalmente da linha tênue do que chama hoje movimentos identitários e o preconceito de classes. De um lado independente das posições políticas, da origem social e do papel que exerce, somos todas mulheres, negras (os), LGBTs. Do outro lado, temos que ter solidariedade de classe. Se são fascistas, merecem ser atacados da forma que for.
Avalio ser necessário um equilíbrio. Se, de um lado, é fundamental compreender os fatores econômicos que produzem o acúmulo de riqueza de poucos e a exploração do trabalho de muitos – fato que na história do Brasil traz a herança do escravismo e do patriarcado e torna o racismo e machismo estruturais – é importante compreender que essa luta de classe também se materializa no campo simbólico e cultural. Construir narrativas que determinem o lugar que cada um pode ocupar na sociedade é uma das facetas para o desenvolvimento da hegemonia do capital na sociedade.
Deste ponto de vista, a disputa ideológica do modelo de sociedade traz à tona a tarefa e a necessidade do campo contra-hegemônico de incorporar as narrativas historicamente oprimidas. Não será possível romper com a lógica do capital sem romper com as suas amarras ideológicas. Não é possível combater as ideologias fascistas reforçando o machismo e o racismo. Gasta-se mais tempo discutindo forma do que conteúdo. O binarismo só reforça estereótipos. Não é uma questão de solidariedade, mas de que sociedade e valores queremos construir. Precisamos nos contrapor desconstruindo os argumentos liberais e fascistas, que ganham cada vez mais relevo na sociedade, apresentando outras alternativas e modelos societários.
Os casos envolvendo Sheherazade e Holiday demostram o tamanho da fragilidade de seus discursos, eles são aceitos e bem quistos até onde interessa, depois podem ser descartados. Avalio que é essa narrativa que devemos disputar.