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Por Marco Piva
Conheci d. Marisa quando era repórter da Rádio Capital e cobria as greves dos metalúrgicos do ABC. Isso foi lá pelos anos 79, 80. Entre assembleias, entrevistas, manifestações e outras atividades, Lula achava um jeito de levar pra casa dele uns poucos amigos, entre sindicalistas e jornalistas. Uma casa modesta num bairro operário de São Bernardo, cuja marca registrada era um fusca estacionado na porta.
Ainda em início de carreira, acho que Lula foi com a minha cara na primeira entrevista que fiz com ele e me juntou com a turma. Estive lá umas três, quatro vezes. A cara fechada que d. Marisa fazia quando o pessoal chegava já dizia tudo e Lula parecia render um certo temor a essa situação. Quando ela saía da sala, ele dizia: "Minha galega é brava mesmo!". Era um carinho muito particular de um líder sindical apelidado de "Baiano" pelos companheiros, embora nascido em Pernambuco.
Daqueles dias agitados, em minha memória ficou registrado o café da d. Marisa, a galega do “Baiano”. Era um café na medida certa, nem forte nem fraco, que já vinha adoçado. E as horas iam passando e o café cedia lugar à cachaça 51 e ao conhaque Dreher. Até que d. Marisa aparecia na sala de repente e dizia: "Chega. Vai todo mundo embora!". Ninguém ousava desrespeitar a ordem se quisesse ter direito a voltar ali. Lula concordava com a cabeça, se levantava, ajustava a calça na altura do quadril e se dirigia à porta. Sempre com a mesma frase: "Vamos dormir que amanhã tem mais".
E assim foram se passando os dias e mais dias até que, anos depois, reencontrei d. Marisa no Palácio do Planalto e tive a chance de tomar um café com ela e relembrar rapidamente os tempos de luta do ABC. Entre um café e outro houve toda uma história que mudou muita coisa no Brasil. E se Lula conseguiu ser o presidente mais popular que esse país já teve, que conseguiu fazer o que fez para incluir socialmente milhões de brasileiros, tenho certeza que d. Marisa foi a grande responsável por isso. Sua firmeza, adquirida em uma infância pobre e difícil, sua humildade discreta e a doçura do seu café formaram uma pessoa exemplar. Ela foi a cara da mulher brasileira que soube viver com dignidade até o fim e certamente não mereceu passar pelo que passou nos últimos tempos. Por isso, só existe uma forma de homenageá-la: obrigado pelo café, d. Marisa. Vá dormir em paz que aqui a gente sabe que amanhã tem mais.
*Marco Piva é jornalista.