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Filmes, coletivos, jornais, fotografia, música e tudo o mais que você possa imaginar é produzido na periferia de São Paulo e você não vê na TV. A Rede Fórum foi lá conversar com a rapaziada. Esta primeira matéria da série “Cultura e Periferia” mostra os manos do Jardim Piracuama, Campo Limpo, na Zona Sul e o Coletivo Casa Goma Comunicação e Arte. Entre e fique à vontade.
Por Luciana Pellacani, colaboradora da Rede Fórum
Cultura e Perifería
Saia da zona de conforto e venha dar uma volta pelo lado periférico da cidade
Iniciamos pela Rede Fórum de Jornalismo uma série de reportagens e entrevistas com grupos culturais das quatro zonas territoriais periféricas da cidade de São Paulo. Vamos tratar das diferentes formas com as quais eles organizam seus trabalhos relacionados às Artes e à Cultura.
Nesta primeira edição contatamos o Coletivo Casa Goma Comunicação e Arte, um espaço localizado no Jardim Piracuama, subdistrito do Campo Limpo que, desde 2014 quando foi selecionado para executar o projeto VAI, desenvolve um trabalho especialmente voltado às artes visuais. Na ocasião foi contemplado para criar o Jornal Di Campana que teve quatro edições e que ainda gerou a criação da Goma Gráfica.
Hoje o coletivo agrega ao menos 7 pessoas com atividades que vão de produtora audiovisual (Coleta Filmes); ilustração e arte com o Julio Falas, que criou um personagem de quadrinho chamado Super Zé Ninguém; diagramação (Di Campana e Jornal Con{Texto); um acervo fotográfico da periferia dos fotógrafos Anderson Silva, José Cícero e Léo (Di Campana foto/coletivo); e uma Agência de Artistas, com o articulador cultural Jaime Diko, Lopes que promove ainda o Sarau Verso em Versos, o Samba do Monte e o site Bocada Forte.
O Jornal Contexto
Realmente essa turma produz bastante, e o mais interessante é a maneira com a qual se organizam sem patrão: coletiva e autogestionariamente. “Aqui é assim, nós mesmos que lavamos nosso banheiro e nós mesmos que finalizamos nosso próprio filme,. Tá ligada porque o nome da produtora é Coleta? De pouquinho em pouquinho a gente faz a força” disse Alan, um dos integrantes da Produtora de Audiovisual que ocupa a casa.
Alan ainda diz muito sobre a prática solidária que permeia as ações do grupo quando demonstra seu interesse na difusão dos saberes acumulados ao longo de anos de dedicação: “…minha vontade é hackear esse conhecimento que a gente vai adquirindo para outras pessoas”. Léo complementa: “ Nós estamos dentro da filosofia ‘Nóis por Nóis’.”
Fórum - Queria que vocês falassem um pouco sobre essas Redes que você estão inseridos com outras periferias da cidade, outras quebradas zona oeste, zona norte, zona leste...
Alan - Falando um pouco do que a gente fez ano passado com a Rede Periférica, com a União Popular de Mulheres e a Agência Solano Trindade, a gente participou da incubação como Coleta Filmes no projeto junto à Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social e durante o ano foram desenvolvidas várias ações, conhecemos espaços diferentes uns mais culturais outros mais fechados. Eu estive no Quilombaque, Cowork, Liga do Funk e é bom ver como as coisas estão potencialmente acontecendo. Essa coisa de atuar em rede fez com que a Coleta pudesse fazer o evento House Sound que é o registro de um cara, é a história do Pulguinha… A gente lançou agora o House Sounds e já teve mais de 60 mil visualizações no facebook. Produzimos também o Cine da Quebrada, a gente já tá produzindo os filmes dentro da quebrada e exibe em um cineclub, uma vez por mês. Fazemos o ‘Quem Somos Nós’ com o Celso Loducca, já estamos com 15 programas finalizados e vamos produzir mais a segunda temporada agora este ano. Lá a gente faz o audiovisual, criou aquela identidade visual e fotográfica, dentro de um formato que já existia dele (Celso) de conversas e tals. A gente trouxe a nossa linguagem, ele queria também uma coisa mais jovem, por isso ele procurou a gente. Ainda no ano passado fizemos também o Festival a Ponte, que teve filmes do Gsé, do Zé, um filme meu... exibimos o filme ‘Menino 23’ que foi super importante. Outro programa que a gente tá fazendo é o Jam Lab, que é o Laboratório jamaicano em parceria com a Tik Tak uma produtora lá do centro, Vitor Rice, um pessoal do Bexiga 70, que é uma rapaziada mais da música mesmo, essa parceria a gente também conseguiu construir essa linguagem juntos e o Jam Lab já tá na 20ª edição. Vai sair mais um agora com o Veja Luz.” Esclareceu Alan
O filme House of Sounds
Em um cenário onde sabemos que temos 43% das verbas de cultura do município de São Paulo congeladas não é difícil de supor que a cultura periférica é a que mais vai sofrer com a falta de recursos. Normalmente esta escassez financeira já acontece no dia a dia, contrariando a lógica que de deveríamos valorizar nossa diversidade cultural e reconhecer outros territórios detentores de sabedoria popular como produtores de arte, que não só a zona central. José Cícero, um dos integrantes da casa, exemplificou a falta de oportunidade que sofrem na disputa pelos poucos recursos públicos existentes:
“Teve um edital aberto pela Secretaria Municipal de Cultura, o SPCINE onde a gente mandou quatro propostas, a gente até foi chamado para trocar ideia, participamos dos encontros e quando a gente foi ver os projetos que foram contemplados foram todos de produtoras de fora da quebrada, que já têm uma puta estrutura, que têm gabarito para participar de editais maiores”, desabafa Cícero.
“O que estava sendo proposto pelo edital e pela SMC era para fomentar uma iniciativa de quem está começando.... então acho que isto revela um pouco que o dinheiro fica sempre na mão de uma mesma galera e o pessoal que tá produzindo diferente sofre preconceito e falta oportunidade...as pessoas não querem atravessar a ponte e entregar um trampo nas mãos de um pessoal da quebrada”, completou.
É época de pipa!
Ainda sobre resistir e continuar a trabalhar na periferia, Léo esclarece: “A gente pensa nessa coisa também de desenvolvimento local, trabalhar perto de casa, tá ligado? Nossas famílias estão aqui, nossos filhos estão aqui. A gente então pensa em ‘desmembrar’ um pouco essa parada que trampo é só na Vila Madalena. Não!! Trampo bom é aqui no Capão, Campo Limpo, nossa resistência é mais nessa que a gente quer promover o desenvolvimento local e trampo ‘com nóis’ aqui mesmo. O Zé tava falando dos trampo com edital e para nós é um pouco frustrante, porque a gente vai buscar política pública e quando sai um edital da SPCINE, vamos com uma pá de cara com 10 anos de trampo e não entra um!!!! Cês tão tirando ,né? Por que chamam a gente para expor nossas ideias, levar nossos projetos , levar portfólio bonitinho., chega lá ‘nóís não tá no mesmo grau’? Por que ‘nóis não tá no mesmo grau’?
José Cícero complementa “...a gente tem uma outra possibilidade, é uma outra juventude periférica que está aqui, a galera mais envolvida com movimento social, movimento cultural da quebrada, a maioria dos nossos projetos a gente pensa na quebrada , ocupar espaço público”.
E Julio Falas nos atualiza do quanto segregar é inútil e exalta a maior facilidade de acessibilidade dos meios e conhecimentos em um mundo globalizado e com internet: “Milton Santos dizia que com essa globalização não vai haver mais barreiras sociais e políticas”.
Fórum - Eu queria colocar um pouco dessa parte de conhecimento, educação, e sua relação com a arte, Outro dia eu vi um artigo do Vladimir Safatle na imprensa e ele tava falando de como a Arte funciona como um canal de informação e comunicação capaz de provocar a reflexão crítica e desalienar as pessoas, e eu queria pensar um pouco sobre a Arte, e um pouco dessa coisa de transformar o território partindo do seu entorno, também pela Arte que você tá difundindo. Por que o indivíduo vai ler o Zé Ninguém e vai se identificar com o Zé Ninguém, e falar meu, esse cara sou eu, sabe? Um sujeito que é bom para caralho em um monte de coisas, mas que também ninguém reconhece, taí na batalha do dia a dia e fica lutando para se mostrar mas ele é um Zé Ninguém e o quanto isso é “educação”? O quanto vocês esperam? Que a Arte de vocês vai transformar a vida das pessoas?
Gsé - A arte de usar a arte como ferramenta para mim é muito louco, pq eu acho que com a arte você chega num lugar que talvez se fosse de outro jeito não chegaria. A parte de emoção também. Você traz as pessoas quando elas se sentem contempladas neste sentido também... não é só material. As pessoas sabem que você existe, sabe aquela questão do carinho? De fazer uma parada para todo mundo?, todo mundo junto... e Arte , meu , é uma ferramenta poderosa para isto, muito extensa , você pode chegar com foto, com vídeo, com ilustração , com texto, para mim arte é uma coisa muito ampla e poder chegar com a Arte ajuda as pessoas, porque eu acredito que é uma ferramenta foda para isto, construção de mudança.
O site Bocada Forte
Julio Falas - Também sobre essa parada...as ações sempre levam em torno disso..., não é arte só por ser bela, é para ser transformadora por fazer essa reflexão, essa necessidade de estar fazendo essa reflexão de movimentação de rua, a gente discuti isso como se fosse muito bonito ou feio, certo ou errado, no fundo qualquer reflexão que cause é uma reflexão.
Gsé - ...Pensar naquilo que ela (produção) vai te tocar na emoção, no que ela tá te trazendo, na ética, no positivo.
Super Zé Ninguém, por Julio Falas
José Cícero - Sobre a Arte da quebrada da periferia especificamente, dificilmente ela é arte pela arte, sempre tem uma treta por trás, uma questão social, isto é latente, entendeu? Sempre um evento, um evento de dub não vai ser só um dub, vai ter um vídeo passando também lá pros caras, então isso é importante... vou dar um exemplo muito importante para mim que é quando eu tinha 17 anos (hoje com 33), ali na praça do Campo Limpo tava tendo uns eventos, tinha uma tenda lá, neste dia foi um cara lá chamado Ferréz , ele foi lá trocar uma ideia com a rapaziada no meio do show de rap, quando eu vi o Ferrez falando eu disse: “Esse cara sabe de tudo que tá acontecendo no mundo, véio, já foi, quero ser tipo esse cara, Na hora, assim, eu quero ser esse cara!” Aí pesquei algumas ideias do que ele tava falando ali. Falou de Martin Luther King, Zumbi dos Palmares, pesquisei essa galera, isso virou uma chavinha em um momento da minha vida, sabe? Tem várias chaves que você vai virando, essa foi uma importante. Então hoje eu estar envolvido com a GOMA , estar envolvido em um trampo que eu curto para caralho fazer. que eu gosto muito e acho que estou num lugar foda é...tem essa razão de ser, entendeu? De ter ido um cara na quebrada falar da cultura periférica e da literatura marginal. Isto é difícil de você mencionar em um edital , porque os caras não entendem, os caras querem número, quantas pessoas estavam lá? O cara não quer saber se uma pessoa foi bem atingida, quer saber se tinham quinhentas.
E Diko finaliza: É um trabalho em que a gente busca uma sustentabilidade, mas é isso, a gente sempre encontra uma situação no limite, a gente sempre pensa em como melhorar a nossa situação. Tanto nossa quanto para fora, pois são duas preocupações: a financeira, pois a gente precisa viver, tem filho, aluguel para pagar,... e a outra é o território. O problema (para ficar na periferia) é que a gente precisa reconhecer quais os lugares do território que tem poder aquisitivo para bancar nosso trabalho por exemplo. Hoje a gente tem o SESC aqui (Campo Limpo), mas é uma coisa nova, tipo três de nós aqui já participaram de atividades lá, eu também já participei. Tentando entender aonde existe este recurso (por aqui) para a gente poder ser selecionado com esse trabalho nosso, que é um trabalho artístico também de criação e produção.
É, e precisa ser difundido, reconhecido e experimentado
Fotos: Di Campana
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