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Negociações milionárias, estádios elitizados, monopólio da mídia e invisibilização da várzea: o que tira o futebol do povo
Por Ronaldo Lages, colaborador da Rede Fórum
O futebol é um esporte milionário. Algumas de suas estrelas são reconhecidas e premiadas mundialmente, sendo que a maioria está no continente europeu, que se alimenta diretamente de talentos revelados na ala pobre do planeta, ou seja, o continente Africano e América do Sul, principalmente.
O mercantilismo presente na negociação de atletas e treinadores movimenta milhões na bolsa de valores boleira. Jogadores são exportados constantemente assim que se desabrocham de seus clubes, tornando-se, automaticamente, ídolos.
Contudo, a grande parcela dos jogadores que são catapultados na gigantesca indústria futebolística desaparece assim como surgem. Muitos são forçados a abandonar a carreira ao se machucar, ou pior, quando caem nas malhas de empresários inescrupulosos do submundo do futebol.
Segundo o jornal inglês Daily Mail, o ano de 2016 registrou o português Cristiano Ronaldo e o argentino Lionél Messi entre os maiores salários do mundo, totalizando o valor de R$ 18,98 milhões de libras por ano, cerca de R$ 81 milhões anualmente.
Várzea: A outra face da moeda
Cenário bem diferente do capitalizado futebol profissional é o de futebol de várzea, modalidade que reserva a mesma paixão, mas com um diferencial: os atletas da várzea ganham de goleada no quesito perseverança.
Segundo Marcelo Mendez, jornalista especializado que cobre muitas dessas partidas, e que agora também é treinador de um time de várzea do ABC Paulista, essa cultura é indestrutível.
“A lógica do capital sufoca a todas as coisas, por ser completamente selvagem e não pensar em absolutamente nada que esteja ligado a sentimentos. Nesse sentido ela atrapalha, mas não acabará jamais com a cultura do futebol de várzea que sobrevive em cada rincão de uma cidade enorme como a de São Paulo”, ressalta Mendez.
Na região do Grande ABC, que comporta 7 cidades e é uma das mais populosas do estado de São Paulo, se estima que cada uma tenha no mínimo mais de 80 equipes federadas em suas ligas e, de acordo com Mendez, eles não precisam da chamada “elite futebolística”.
“Acredito que para haver um entendimento maior do universo varzeano, o interessado no assunto, precisa sair de sua zona de conforto, meter o pé no barro e cobrir e estar perto desse mundo. Mas não como ‘turista’ da periferia, onde geralmente estão esses times. Tem que ir de maneira orgânica, acreditando no que esta fazendo. Quanto à Liga Profissional, acho completamente desnecessária e o futebol de várzea não precisa dela para nada”, vaticina ele.
Monopólio televisivo e resistência
No domingo (19) a partida entre Coritiba e Atlético-PR, que seria disputada pelo Campeonato Paranaense, não aconteceu. Ambos os clubes decidiram não jogar por conta de uma antiga luta dos jogadores, que não querem receber os baixos valores que lhes é oferecido pela Rede Globo de Televisão pelo direito de transmissão. Segundo um diretor de um dos clubes, o valor é uma “esmola” se comparado com outros times de outros estados.
Antes da partida se iniciar, profissionais que fariam a transmissão pelo canal de vídeos YouTube foram obrigados a se retirar, sendo que um acordo entre ambas as equipes havia sido fechado de antemão para que tal transmissão ocorresse.
Ao receberem a notícia vinda da Federação Paranaense de Futebol (FPF) de que não aconteceria a transmissão via web, as equipes decidiram, em sinal de protesto, não jogar.
Mais um capítulo que se desenrola em favor do fim do monopólio global em torno dos jogos de futebol no Brasil. Embora aparentemente ínfimo, o gesto representou um passo gigantesco para engrossar o caldo dos descontentes contra a “dona da bola” na TV, a Rede Globo de Televisão.
Futebol e arquibancadas elitistas
Com o advento da Copa do Mundo de 2014 sediada no Brasil, um processo severo de elitização das arquibancadas se estabeleceu. Os antigos estádios que abrigavam o mais puro estrato do povo, hoje se tornaram assépticas arenas chamadas de “multiuso”, uma vez que essas não servem mais apenas para o futebol, elas também podem receber eventos de toda a espécie fazendo o capital financeiro se expandir ainda mais.
Claro sinal de que os antigos torcedores não estarão em grande quantidade para assistir seus clássicos, um processo de higienização das arquibancadas está em pleno curso nos últimos tempos e teve a Copa do Mundo como peça fundamental.
Os fenômenos de exclusão são notados principalmente pelo fim de áreas destinadas a pessoas de baixa renda dentro dos estádios, leia-se a chamada “Geral” no Maracanã e a “Coréia”, no estádio Beira Rio, propriedade do recém-rebaixado Internacional de Porto Alegre.
Dois símbolos evidentes que apontavam que o futebol pertencia ao povo trabalhador foram banidos com reformas e mudanças estruturais. Resta ao torcedor se mobilizar em busca de recuperação do que sempre foi seu.