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A professora de filosofia foi uma das debatedoras do evento “Desafios de uma educação libertadora”: “A gente corre risco de sofrer constrangimentos, inclusive físicos. A ideia é procurar o diálogo. Mas se vierem pra cima, chega. Tem que revidar”.
Por Lucas Vasques
Formada pela USP, a professora de filosofia Luiza Coppieters, era uma das convidadas da mesa de debates do evento “Desafios de uma educação libertadora”, realizado neste sábado (28), na Câmara Municipal de Guarujá, com organização do PSOL local. Na oportunidade, um grupo fascista e bastante agressivo tumultuou as discussões, que acabou sendo levada até o final, graças à luta e determinação de seus realizadores e participantes.
Transexual e militante feminista e LGBT, Luiza atualmente integra o Conselho Municipal de Políticas LGBT, “que o Doria não deixa funcionar”, segunda ela mesma. É filiada ao PSOL e suplente de vereadora. Participa com frequência de palestras e mesas de debates sobre educação, política, gênero, sexualidade. “Procuro debater as coisas que eu sei, como filosofia. Para isso, também tenho os programas na internet: o “Café com Luiza”, onde faço a exposição de alguns temas, e o “Café com Bolacha”, no qual entrevisto mulheres”.
No caminho de Luiza, várias pedras. Ela era professora em um colégio particular, quando foi demitida por preconceito. “Estou com um processo contra o colégio Anglo, na região Oeste de São Paulo. E esse processo está no cerne da discussão de escola sem partido e ideologia de gênero, porque quando tornei pública minha condição de transexual, passei a ser perseguida e acabei demitida sem justa causa. Foi ali que comecei a aparecer, assim como depois nas discussões dos Planos Municipais de Educação. Na época, os católicos e a extrema direita foram lá brigar contra a inclusão da discussão de gênero: aquela ignorância total”.
Fórum - Diante do que ocorreu no debate “Desafios de uma educação libertadora”, como você interpreta esse tipo de reação fascista do grupo que tentou tumultuar o evento?
Luiza Coppieters – Acredito que as pessoas estejam sentindo uma liberdade de se manifestar, mas estão com medo. Elas se sentem, de fato, correndo risco, mas isso é fruto da ignorância. Muitas das pessoas que estavam ali, não acredito que eram fascistas, tanto é que quando pararam para ouvir a minha fala, ou mesmo a do professor, porque eles respeitam mais a voz de homem, a voz tida como masculina, passaram a ouvir um pouco mais. No entanto, ficaram putos, começaram a falar de humildade, porque isso revela a ignorância deles sobre o assunto. Quando eu fui falar que eles eram contra gênero, eles entraram em parafuso. Então, eu acho que existe uma massa, que é muito facilmente mobilizada por setores neopentecostais, evangélicos. Acredito que tem uma organização que fomenta isso e a grande responsável é a grande mídia, a mídia corporativa, a mídia venal. Ela que, historicamente, vem fomentando ódio, parcialidade a ignorância sobre os temas, não discute, não abre espaço, informa de maneira incorreta, faz com que esse termo – ideologia de gênero – se propague, sem explicar direito o que, de fato, seja. Portanto, vira um caldo propício para esse tipo de coisa. É evidente que tem gente ali movida por um delírio coletivo, pelo fato da educação pública no Brasil não educar. As pessoas são educadas pelos meios de comunicação. Além disso, você mexe com valores arraigados, ainda em pessoas que operam dentro de uma lógica autoritária.
Fórum - Em sua avaliação, quais as razões para o aumento significativo desse tipo de patrulhamento, seja ele em debates, eventos culturais, exposições, espetáculos teatrais etc?
Luiza Coppieters – Eu acho que a gente já chegou no limite, a gente da esquerda e do campo progressista. Acredito que tem que ir para o enfrentamento. A gente passou os últimos 15 anos só retrucando, na defensiva. O governo que teve acabou alimentando, chocou o ovo da serpente, ao criar uma base evangélica – sempre lembrando que são setores e não todo mundo – e cabe a quem é progressista - partidos políticos, sindicatos, movimentos culturais, coletivos - fazer debates com a população, principalmente a mais carente. Esse é o nosso grande problema. A gente hoje se fala pela internet, só que essa nova web funciona com a lógica de bolhas e a gente não tem alcance. Além disso, a gente não tem a grande mídia. As pessoas não estão dispostas a ouvir e a mediação da internet dificulta mais. Tem que conversar com a população, sair de casa, ir na periferia e se propor ao debate. E, inclusive, se partirem para a violência, a gente tem que ter grupos preparados para isso. A esquerda tem que parar de ser cirandeira, pedir paz, essa esquerda de classe média, e tem que ter gente preparada, inclusive em artes marciais para poder se defender, porque esses caras não têm limite. Nos debates, a gente observa. São homens que ficam lá no fundo, atiçando, desrespeitosos, agitadores. E esse tipo de gente tem que ser expulso. As forças públicas têm lado e não ajudam. Portanto, temos que ocupar todos os espaços, saber que a gente corre risco de sofrer constrangimentos, inclusive físicos, e não aceitar. Chega de aceitar. A ideia é ir para todos os lugares, falar, procurar o diálogo com as pessoas. Mas se vierem pra cima, chega. Tem que revidar.
Fórum - Qual é a melhor forma de combater essa avalanche de atitudes extremamente reacionárias, inclusive, com a volta da censura?
Luiza Coppieters – Algumas eu trato com ironia, de tão ridículo, tão contraditório, um pensamento tão obtuso, que não se sustenta. Quando o cara veio para cima para me agredir e na hora que eu levantei e falei ‘vem’, ele recuou. Também tem isso, são covardes, atuam em bandos. Eu não me afeto. Não me afeto porque eu estou para lutar. Eu sou uma mulher transexual e sofro violência todo dia. Se eu não lutar, acabou pra mim. E também eu sei que não estou sozinha, tem gente do meu lado, que pensa como eu, e é essa luta que a gente tem que encampar. Eu não levo para o lado pessoal. Os xingamentos não grudam em mim. Estou em outra esfera e eles acabam atirando no vazio. Mas eu gosto de participar dessas coisas porque estou cansada de debates em que a esquerda, ou seja, a gente só fala pra gente. Tem que falar para o outro.
Fórum - Em síntese, o que de principal foi debatido nos “Desafios de uma educação libertadora?
Luiza Coppieters – O debate em Guarujá era sobre educação libertadora. Então, nem foi falado propriamente de gênero ou algo assim. Eu fui para falar de educação. Procurei ser bastante didática e professoral. Falar da educação que a gente quer, libertadora. Fui tentar desmontar a ideia de uma educação doutrinadora. Era um público carente e mobilizado de maneira oportunista e alguns são violentos. Enfim, a gente tentou discutir educação.
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