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Áureo Mafra de Moraes, ex-chefe de gabinete da reitoria, fala com exclusividade à Fórum, após renunciar ao cargo por discordar de recuo da reitora que sucedeu Cancellier, em processo contra corregedor acusado de abusos, arbitrariedade, afrontas, assédio, constrangimento, truculência contra docentes, técnicos e estudantes da UFSC.
Por Lucas Vasques
Após tentativa de recompor a unidade na UFSC para que a Instituição voltasse a ter tranquilidade para cumprir o seu papel acadêmico, outra bomba acaba de cair sobre a universidade. Após uma série de denúncias de abusos de autoridade, arbitrariedades, assédio moral, constrangimento e truculência nas ações do corregedor Rodolfo Hickel do Prado, o então chefe de gabinete da atual reitoria, Áureo Mafra de Moraes, encaminhou uma representação formal pedindo seu afastamento e abertura de processo contra ele.
O pedido foi submetido à Procuradoria Geral da UFSC, que emitiu parecer favorável. O problema reside no fato de que a atual reitora, Alacoque Lorenzini Erdmann, que, a princípio, não desautorizou a publicação, mudou de ideia e, pressionada por representantes do MPF (Ministério Público Federal) e da CGU (Corregedoria-Geral da União), segundo Áureo, optou por anular o ato jurídico feito pelo então chefe de gabinete. “Depois disso, não me restou alternativa a não ser pedir dispensa de minha função”. Áureo Mafra de Moraes conta à Fórum mais um capítulo da crise administrativa que persegue a universidade.
Fórum – Nos últimos dias, houve duas reuniões determinantes na UFSC. Uma com a participação dos trabalhadores técnicos-administrativos da universidade e outra do Conselho Universitário. O que foi discutido nessas reuniões?
Áureo Mafra de Moraes - Um grupo de técnicos-administrativos em educação promoveu uma reunião na manhã desta quinta-feira (26), no hall da reitoria da UFSC, para discutir a situação da instituição. Cerca de 100 TAEs compareceram e três propostas foram aprovadas. A primeira delas foi uma solicitação de que a reunião do Conselho Universitário, no mesmo dia, fosse aberta à participação de toda a comunidade universitária. A segunda foi a convocação de uma assembleia geral universitária para novembro, envolvendo todos os setores da instituição, na defesa do princípio constitucional da autonomia universitária. A terceira foi uma moção em defesa da autonomia universitária, a ser lida por um representante dos TAEs, durante a reunião do Conselho Universitário. O documento repudia “ações conduzidas com abusos na Operação Ouvidos Moucos” e demanda apreciação de três pontos: posicionamento público do conselho contra ações abusivas da operação; prosseguimento do processo administrativo referente ao corregedor Rodolfo Hickel do Prado, respeitando o devido processo legal; e manifestação em defesa da autonomia universitária, contrária a tentativas de intervenção externa.
Fórum – Havia uma série de temas fundamentais a serem debatidos, como os fatos que se sucedem desde a prisão arbitrária do reitor Cancellier, inclusive com ações que determinam a perda de autonomia da universidade, sem que a administração se posicione. Isso foi discutido?
Áureo Mafra de Moraes - Considero uma temeridade do Conselho Universitário ter mantido uma pauta tão dispersa e desconexa dos fatos recentes, particularmente a portaria de afastamento do corregedor, a anulação da portaria pela reitora e a minha saída da chefia do gabinete. Foi um ato de afronta à autonomia da universidade (a anulação da portaria pela reitora), com o retorno do corregedor à função. E o Conselho discutindo os impactos na imagem da instituição. É patético.
Fórum - Nesse momento também é importante discutir o papel do corregedor Rodolfo Hickel do Prado e a ação da atual reitora Alacoque Lorenzini Erdmann, que revogou a portaria que abria processo disciplinar administrativo contra o corregedor, encaminhado por você. Inclusive porque há denúncias de trabalhadores da própria corregedoria sobre postura violenta dele, certo?
Áureo Mafra de Moraes - Havia inúmeros relatos que nos chegavam informalmente (as pessoas temiam e temem o corregedor) de abusos, arbitrariedade, afrontas, assédio, constrangimento, truculência por parte dele contra docentes, técnicos e estudantes da UFSC. Além de pessoas externas que precisavam, de alguma forma, manter contato com ele. O papel do corregedor é coordenar processos disciplinares. Não, julgá-los. Mas ele, desde o ano passado, já extrapolava suas atribuições. Quando, em 5 de julho passado, chegou ao então reitor uma representação formal, pedindo o afastamento e a abertura de processo contra ele, o reitor submeteu à Procuradoria Geral da UFSC, que emitiu parecer favorável à abertura de processo e ao afastamento. Em 13 de setembro (véspera da prisão de Cancellier), o reitor havia determinado a mim que o fizesse. Diante de minhas prerrogativas e com base no parecer da procuradoria, o fiz no dia 20 de outubro. A reitora foi informada e não desautorizou a publicação. Só foi fazê-lo na terça, depois de ser intimidada e pressionada por representantes do MPF e da CGU, que vieram ao gabinete dizer a ela que se não a revogasse iriam acioná-la. Transtornada e aterrorizada, optou por anular meu ato (jurídica, administrativa e formalmente perfeito), o que só me deixou a alternativa de pedir dispensa da função. Diga-se que ele, corregedor, ingressou com mandado de segurança, na segunda, com pedido de liminar, para voltar ao cargo. O juiz negou a liminar e nos deu dez dias para apresentar defesa. Ou seja: um juiz considerou que o ato não era, em princípio, passível de cassação. Mesmo assim, a reitora manteve a decisão.
Fórum - A reunião do Conselho Universitário foi fechada, pois até mesmo a imprensa interna foi proibida de registrar. O representante dos trabalhadores que iria levar as reivindicações também foi impedido de entrar. Como avalia essa decisão?
Áureo Mafra de Moraes - Mais uma decisão equivocada. A gravidade da situação permitiria acesso a outros representantes.
Fórum – A atual reitora afirmou que não vai renunciar ao cargo. A saída dela ajudaria na solução dos problemas da universidade?
Áureo Mafra de Moraes - Penso que sim. Primeiro, o Conselho, após a morte do reitor, a referendou para terminar o mandato. Unanimidade. A equipe de gestão estava unida, apostando na sequência do trabalho e na manutenção do legado de Cancellier. Quando ela anula meu ato, imediatamente inicia-se uma série de pedidos de dispensa das funções de quase todos os pró-reitores e secretários. Já saíram, até hoje, pelo menos 16 de um total de 20.
Fórum - Ela decidiu também que enviará o processo envolvendo o corregedor para a CGU, em nível nacional, para que eles decidam um problema interno da UFSC. Acha que esse fato colabora para a perda da autonomia da universidade?
Áureo Mafra de Moraes - É a consolidação da perda de autonomia. Os atos a serem investigados contra o corregedor foram praticados no exercício da função dele dentro da UFSC. E assim devem ser tratados. Ele não é um representante da CGU aqui. Ele é um servidor cedido à UFSC, no exercício de funções na UFSC.
Fórum - Para completar, em sua avaliação, quais os caminhos que devem ser trilhados para resolver a crise administrativa da UFSC?
Áureo Mafra de Moraes - A retomada do afastamento do corregedor, a devida investigação, a escolha de novos dirigentes por eleição, uma vez que a gestão 2016-2020 acabou.
Foto: Arquivo Pessoal
O desabafo do estagiário, que deixou a UFSC por discordar da atual reitora
Marcus Vinicius dos Santos, que atuava no gabinete da reitoria, considera a universidade sua casa: “Minha decisão de sair deve-se aos valores e princípios que aprendi com Cancellier, entre eles, a lealdade e o amor à UFSC”.
Da Redação
Estagiário de jornalismo e amigo do ex-reitor da UFSC, Luis Carlos Cancellier de Olivo desde 2014, Marcus Vinicius dos Santos, que atuava no gabinete da reitoria, se afastou da universidade por não concordar com as ações da atual reitora. “Cau foi literalmente meu chefe, amigo, professor e pai. Digo isso porque ele me influenciou em todos sentidos, ensinando lealdade, espírito de equipe, conciliação e, principalmente, amor pela UFSC. Enfim, Cau me ensinou a tolerar e respeitar as diferenças e diversidades que o dinamismo e a evolução da sociedade nos trazem a cada dia”, ressalta Marcus.
Ele conta o que o levou a deixar a universidade. “Creio que podemos começar a partir do dia 14 de setembro, data da desnecessária prisão do reitor Cancellier. Quem assumiu a dianteira da Administração Central da UFSC foi o professor Áureo de Moraes. TV, rádio, jornais, revistas, todas as mídias convencionais voltaram atenção à prisão do Cancellier. Nesse momento, não só precisando dar uma resposta aos canais de comunicação, a Administração Central deveria dar uma resposta a sua própria comunidade. E o responsável por essa ingrata missão foi o Áureo, que, literalmente, estava atuando como um chefe de governo, se fossemos fazer uma analogia ao sistema parlamentarista. Na morte de Cancellier, não foi diferente. Áureo continuava sendo a nossa referência para a gestão da reitoria”, relembra.
A situação foi ficando insustentável. “No dia que o professor Áureo assinou a portaria de afastamento do corregedor Rodolfo Hickel do Prado (sexta-feira (20), fiquei contente, porque era primeira ofensiva juridicamente legal da UFSC contra um corregedor que estava atuando como inquisidor. Passado o final de semana, na segunda (23), de repente surgiu o primeiro comentário da Alacoque (Lorenzini Erdmann, atual reitora), em anular a portaria de afastamento. Obviamente, fiquei indignado, pois não entendi o motivo”, conta.
Contudo, afirma Marcus, logo ele entendeu o cenário. “Ela estava sendo pressionada, não pela gestão, mas pelos mesmos órgãos que foram responsáveis pela prisão arbitrária de Cancellier. Tanto o procurador junto à UFSC, quanto o secretário de apoio institucional da gestão, explicaram a ela que havia caminhos a seguir. Um deles era manter o afastamento legal do corregedor (opinião que era consenso na gestão), ou abrir mão da autonomia universitária e da opinião de seus pró-reitores e secretários e entregar a investigação do corregedor à CGU, o que para mim não faz o mínimo sentido”.
A decisão pela segunda hipótese causou um impacto fatal. “O gabinete foi caindo, seu chefe, diretor, assessores, pró-reitores, secretários, servidores e até o estagiário aqui. A reitora em exercício estava claramente com medo, muito medo. Mas não medo pela universidade, mas um medo pessoal. Foi quando percebi que ela estava sem coragem para representar a UFSC, para defender a UFSC. A universidade está levando socos e pontapés de todos os lados e na hora de dar uma resposta à sociedade e à comunidade universitária, ela desiste por pressão externa”.
Ele prossegue: “Saí porque não vi mais em Alacoque aquele projeto que estávamos desenvolvendo para a UFSC, um projeto progressista, onde as pessoas não eram mais perseguidas e tinham orgulho de dizer que eram da UFSC. Eu segui o Áureo, porque aprendi com o Cau a ser leal e defender a UFSC. Alacoque está indo para o caminho inverso. Enfim, fico feliz porque vários seguiram o Áureo, não por birra, mas por valores, mas fico triste pela UFSC, fico triste por mim. Sigo solidário ao meu querido amigo Áureo, que teve a coragem de enfrentar a inquisição que a universidade vem sofrendo e em uma tentativa de dizer “basta”, levou uma “rasteira” desleal de quem menos se esperava”, completa.
Foto: Arquivo Pessoal