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Jornalista afirmou na rádio e publicou na revista que a cartunista seria, entre outras coisas, uma "fraude moral" e "fraude de gênero". Processo ainda é histórico pois a defesa de Laerte foi feita por Márcia Rocha, advogada transexual. Confira a íntegra da sustentação da defesa
Por Redação
A 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou, nesta terça-feira (24), o jornalista Reinaldo Azevedo, a rádio Jovem Pan e a revista Veja a indenizarem em R$100 mil a cartunista Laerte Coutinho. A sentença confirma a decisão tomada em primeira instância.
Por unanimidade, os desembargadores entenderam que Laerte, que é transexual, teve sua honra ferida ao ser chamada por Azevedo de "fraude moral", "baranga moral", "fraude de gênero" e "fraude lógica" em seu comentário na rádio Jovem Pan. Os mesmos adjetivos foram replicados em sua coluna na revista Veja.
O jornalista resolveu xingar Laerte por conta de uma charge publicada na Folha de S. Paulo em que ironizava os manifestantes pró-impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff.
“Vê-se que a crítica se voltou à pessoa de Laerte, como transgênero, e não à charge, o que, evidentemente, confirmou o ato ilícito cometido. A crítica foi, portanto, pessoal e representou ofensa à honra”, disse o desembargador Carlos Alberto Garbi, relator do recurso julgado hoje.
O processo é histórico pois a defesa de Laerte foi feita por Márcia Rocha, primeira advogada transexual a fazer uma sustentação oral no TJ. Ela também foi a primeira advogada trans que teve o nome social inserido em sua inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Confira a transcrição da íntegra da sustentação oral de Márcia.
"Gostaria de saudar os Senhores Desembargadores, demais presentes e ilustres colegas e ressaltar a importância histórica deste momento em que, pela primeira vez uma pessoa assumidamente travesti, vem ao Tribunal fazer uma Sustentação Oral com o uso de seu nome social, conforme concedido pela Ordem dos Advogados do Brasil em 2016:
Passando à minha fala propriamente dita, eu gostaria de dizer que vivemos tempos funestos! Por todo o mundo, pessoas que não concordam com o modo de vida, com a expressão ou a religião de um outro, metralha, esfaqueia, atropela, explode pessoas inocentes. Não se trata, absolutamente, de matéria jornalística no caso específico. No Brasil, somente este ano – números obtidos ontem – Somente este ano, cento e cinquenta pessoas trans foram assassinadas. Somente neste ano!
No Brasil, pessoas trans são privadas de seus direitos cotidianamente. Nas escolas, sofrendo bulling, sofrendo violências muitas vezes dos próprios professores, em suas próprias famílias, têm o seu direito de ir e vir ameaçado por violências, pelo medo de andar na rua, bastando expor-se para estar sujeito a toda sorte de violências; temos nosso direito à expressão em nossos próprios corpos recusado muitas vezes; O nome, um nome condizente com nossa imagem recusado, muitas vezes, sendo necessário recorrer à justiça para ter um nome condizente com a nossa imagem; Ou seja, enfim, nossa dignidade é ameaçada todo o tempo. E por que? Em razão de valores que permeiam o senso comum, que entendem que somos seres de outra categoria, de segunda ou terceira categoria.
No caso específico, tenta a defesa do réu, ora apelante, por todo o processo, justificar suas violências, alegando que Laerte Coutinho é Laerte Coutinho. Que tem suas características, suas ideologias, suas expressões, sua maneira de se vestir... como se ser quem é, cujo direito é defendido pela Constituição, justificasse a violência!!
Termos como: Baranga moral, fraude de gênero, baranga na vida, homem-mulher, falsa senhora, fraude moral, ser asqueroso, e exibicionista doentio, não são meras discussões entre colegas. Não são do interesse público de uma matéria jornalística.
Tenta ainda, o apelante, alegar que por Laerte ser uma figura pública, estaria justificada (ou) estariam justificadas críticas - abre aspas, críticas, fecha aspas – a serem dirigidas à sua pessoa. Entretanto, excelências, imaginemos um caso de um Tribunal proferindo uma sentença, e alguém discontente, for atacar publicamente a calvície, o gênero, a cor da pele, a obesidade, a idade... dos membros daquele tribunal. Data máxima vênia, isso seria absurdo, e teratológico!
E ainda, para finalizar, o réu/apelante, imediatamente após a sentença de primeira instância, foi nas mesmas mídias, ora corréus, e reiterou todas as suas afirmações! Mencionando que os advogados haviam publicado a vitória de primeira instância, então ele se achava no direito de reiterar todas as ofensas que ora mencionei. Um verdadeiro escárnio à justiça!
Portanto, eu agora representando não apenas a autora mas toda uma categoria humana, evoco aqui a Deusa Temis, à Deusa Temis para que vendada, sopese em sua balança as questões ora expostas, e erga sua espada na defesa daqueles por quem ninguém mais o fará!
Muito obrigada".