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Luiz Carlos Cancellier se suicidou. Ele passava por tratamento psicológico desde que foi preso por uma operação da Polícia Federal, que o afastou da universidade sem provas das irregularidades que é acusado de praticar. Em carta, ex-reitor denunciou as arbitrariedades da Justiça e a "humilhação e o vexame" a que foi submetido. Leia
Por Redação
É grande a comoção e a revolta pela morte do ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Carlos Cancellier. Ele foi encontrado morto na manhã desta segunda-feira (2) no Beiramar Shopping, em Florianópolis, após ter se jogado de um vão.
A comunidade acadêmica, bem como amigos, parentes e a população de Santa Catarina como um todo estão revoltados com a morte de Cancellier pois ela seria um efeito direto dos "métodos" da Polícia Federal e do Ministério Público no país. Ele era investigado na operação Ouvidos Moucos, que apura irregularidades na aplicação de recursos federais para o curso de ensino à distância. Ele foi acusado, junto com outros seis investigados, de desviar R$80 milhões. Ele chegou a ser preso em agosto e foi solto em setembro, mas afastado da reitoria da Universidade. Desde então, passava por tratamento psicológico.
Em uma carta que escreveu no mês passado, Cancellier contou que foi acusado sem provas e e sem direito a plena defesa, revelando, assim, as prováveis causas que o levaram a fazer tratamento psicológico e, agora, ao seu suicídio.
"Uma investigação interna que não nos ouviu; um processo baseado em depoimentos que não permitiram o contraditório e a ampla defesa; informações seletivas repassadas à PF; sonegação de informações fundamentais ao pleno entendimento do que se passava; e a atribuição, a uma gestão que recém completou um ano, de denúncias relativas a período anterior", escreveu. No início da carta, o ex-reitor falou ainda sobre "a humilhação e o vexame" a que foi submetido em sua prisão. [Leia a íntegra ao final desta matéria].
A Universidade Federal de Santa Catarina decretou luto oficial e suspendeu as suas atividades.
A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), por sua vez, divulgou nota oficial em que lamenta a morte de Cancellier e associa o seu suicídio a forma como a Justiça o tratou nessa investigação.
"O sentimento de pesar compartilhado por todos/as os/as reitores/as das universidades públicas federais, neste momento, é acompanhado de absoluta indignação e inconformismo com o modo como foi tratado por autoridades públicas o Reitor Cancellier, ante um processo de apuração de atos administrativos, ainda em andamento e sem juízo formado. É inaceitável que pessoas de bem, investidas de responsabilidades públicas de enorme repercussão social tenham a sua honra destroçada em razão da atuação desmedida do aparato estatal. É inadmissível que o país continue tolerando práticas de um Estado policial, em que os direitos mais fundamentais dos cidadãos são postos de lado em nome de um moralismo espetacular", diz o documento. [Leia a íntegra ao final da matéria].
A relação entre o suicídio do ex-reitor e a investigação que era alvo fica ainda mais forte com a informação, divulgada pelo jornal Diário Catarinense, de que a Polícia Civil teria encontrado em seu bolso um bilhete com os dizeres: "Minha morte foi decretada no dia de minha prisão". Saiba mais aqui.
Última carda de Luiz Carlos Cancellier
"Não adotamos qualquer atitude para obstruir apuração da denúncia
A humilhação e o vexame a que fomos submetidos — eu e outros colegas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) — há uma semana não tem precedentes na história da instituição. No mesmo período em que fomos presos, levados ao complexo penitenciário, despidos de nossas vestes e encarcerados, paradoxalmente a universidade que comando desde maio de 2016 foi reconhecida como a sexta melhor instituição federal de ensino superior brasileira; avaliada com vários cursos de excelência em pós-graduação pela Capes e homenageada pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Nos últimos dias tivemos nossas vidas devassadas e nossa honra associada a uma “quadrilha”, acusada de desviar R$ 80 milhões. E impedidos, mesmo após libertados, de entrar na universidade.
Quando assumimos, em maio de 2016, para mandato de quatro anos, uma de nossas mensagens mais marcantes sempre foi a da harmonia, do diálogo, do reconhecimento das diferenças. Dizíamos a quem quisesse ouvir que, “na UFSC, tem diversidade!”. A primeira reação, portanto, ao ser conduzido de minha casa para a Polícia Federal, acusado de obstrução de uma investigação, foi de surpresa.
Ao longo de minha trajetória como estudante de Direito (graduação, mestrado e doutorado), depois docente, chefe do departamento, diretor do Centro de Ciências Jurídicas e, afortunadamente, reitor, sempre exerci minhas atividades tendo como princípio a mediação e a resolução de conflitos com respeito ao outro, levando a empatia ao limite extremo da compreensão e da tolerância. Portanto, ser conduzido nas condições em que ocorreu a prisão deixou-me ainda perplexo e amedrontado.
Para além das incontáveis manifestações de apoio, de amigos e de desconhecidos, e da união indissolúvel de uma equipe absolutamente solidária, conforta-me saber que a fragilidade das acusações que sobre mim pesam não subsiste à mínima capacidade de enxergar o que está por trás do equivocado processo que nos levou ao cárcere. Uma investigação interna que não nos ouviu; um processo baseado em depoimentos que não permitiram o contraditório e a ampla defesa; informações seletivas repassadas à PF; sonegação de informações fundamentais ao pleno entendimento do que se passava; e a atribuição, a uma gestão que recém completou um ano, de denúncias relativas a período anterior.
Não adotamos qualquer atitude para abafar ou obstruir a apuração da denúncia. Agimos, isso sim, como gestores responsáveis, sempre acompanhados pela Procuradoria da UFSC. Mantivemos, com frequência, contatos com representantes da Controladoria-Geral da União e do Tribunal de Contas da União. Estávamos no caminho certo, com orientação jurídica e administrativa. O reitor não toma nenhuma decisão de maneira isolada. Tudo é colegiado, ou seja, tem a participação de outros organismos. E reitero: a universidade sempre teve e vai continuar tendo todo interesse em esclarecer a questão.
De todo este episódio que ganhou repercussão nacional, a principal lição é que devemos ter mais orgulho ainda da UFSC. Ela é responsável por quase 100% do aprimoramento da indústria, dos serviços e do desenvolvimento do estado, em todas as regiões. Faz pesquisa de ponta, ensino de qualidade e extensão comprometida com a sociedade. É, tenho certeza, muito mais forte do qualquer outro acontecimento".
Nota oficial da Andifes
A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), profundamente consternada, comunica o trágico falecimento do Prof. Dr. Luiz Carlos Cancellier, Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, ocorrido na manhã desta segunda-feira. O sentimento de pesar compartilhado por todos/as os/as reitores/as das universidades públicas federais, neste momento, é acompanhado de absoluta indignação e inconformismo com o modo como foi tratado por autoridades públicas o Reitor Cancellier, ante um processo de apuração de atos administrativos, ainda em andamento e sem juízo formado. É inaceitável que pessoas de bem, investidas de responsabilidades públicas de enorme repercussão social tenham a sua honra destroçada em razão da atuação desmedida do aparato estatal. É inadmissível que o país continue tolerando práticas de um Estado policial, em que os direitos mais fundamentais dos cidadãos são postos de lado em nome de um moralismo espetacular. É igualmente intolerável a campanha que os adversários das universidades públicas brasileiras hoje travam, desqualificando suas realizações e seus gestores, como justificativa para suprimir o direito dos cidadãos à educação pública e gratuita. Infelizmente, todos esses fatos se juntam na tragédia que hoje temos que enfrentar com a perda de um dirigente que por muitos anos serviu à causa pública. A ANDIFES manifesta a sua solidariedade aos familiares e amigos do Reitor Cancellier e continuará lutando pelo respeito devido às universidades públicas federais, patrimônio de toda a sociedade brasileira.
Brasília, 02 de outubro de 2017.