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No vídeo, os funcionários da Receita usam o termo "raça" para se referir aos chineses, dizem que 99% estão ilegalmente no país e que aqui "eles fodem todo mundo"
Da Redação*
Em uma blitz realizada na rua 25 de Março, centro de São Paulo, funcionários a serviço da Receita Federal chamam chineses de "filhos da puta" e afirmam que o "Brasil é um país de merda (...), que legaliza todo mundo".
A ação foi gravada em vídeo durante a Operação Setembro, deflagrada no dia 11 de setembro, e que resultou na apreensão de 880 toneladas de mercadorias, quantia suficiente para lotar 68 caminhões. Foram fiscalizadas 869 lojas na região central da cidade.
O Shopping 25 de Março, situado no principal polo de comércio popular do país, foi fechado durante a ação. O valor estimado dos produtos apreendidos, segundo a Receita, atingiu R$ 440 milhões.
No vídeo, os funcionários da Receita usam o termo "raça" para se referir aos chineses, dizem que 99% estão ilegalmente no país e que aqui "eles fodem todo mundo".
Uma das pessoas envolvidas na operação reclama da lei brasileira "idiota", enquanto um outro afirma que "os chineses tomam o trabalho do brasileiro, enquanto o brasileiro acha isso legal".
No vídeo, uma pessoa não identificada tenta contra-argumentar: "São todos seres humanos", afirma. "Não é porque são chineses que ferram todo mundo."
O agente da Receita Federal responde: "Se o país deles fosse bom, eles estavam lá". Ele diz considerar que em breve "no Brasil haverá mais estrangeiro do que nacional".
DESUMANO
Cesar Yeung, da Associação Geral dos Empresários Chineses do Brasil, afirma que em quase toda a operação a atitude dos servidores da Receita foi de descaso perante os comerciantes chineses. "Foi um tratamento de cão, totalmente desumano."
A associação entregou uma cópia da gravação para a Comissão de Direitos Humanos do Instituto dos Advogados de São Paulo.
"É deplorável o que aconteceu, ninguém deve ser tratado com discriminação ou ser vítima de discurso de ódio", afirma Ricardo Sayeg, presidente da comissão. "Além disso, houve uma total falta de tato mercantil com uma nação que é a maior parceira comercial do Brasil."
Além do que chamou de racismo, a associação dos empresários considera que a operação da Receita Federal não atendeu aos limites impostos pelo mandado judicial de busca e apreensão.
De acordo com Yeung, que pretende acionar também o consulado chinês e organiza um protesto para os próximos dias, os agentes apreenderam tudo o que encontraram, incluindo valores em dinheiro, notas fiscais, livros de ponto, agendas pessoais, holerites e objetos pessoais.
Ele afirma também que houve desrespeito religioso, com a quebra de um Buddha e de santos chineses, "o que reforça a constatação de que foi uma operação de ódio".
"Além disso, os lojistas não puderam acompanhar a apreensão e nem sequer tiveram uma listagem das mercadorias levadas pela Receita, fato que dificulta a defesa administrativa e um possível pedido de restituição dos bens", afirma Cesar Yeung.
Durante a operação, um carregador de uma empresa terceirizada que trabalha para a Receita Federal chegou a ser preso com R$ 522 reais –que teriam sido furtados de uma loja– e encaminhado para a Polícia Federal.
OUTRO LADO
A Receita disse à Folha, por meio de uma nota, que abrirá uma investigação sobre o caso e que repudia manifestações xenófobas e qualquer forma de discriminação.
"Declarações contrárias a esta não manifestam a opinião do órgão", disse. "A Operação Setembro envolveu a fiscalização de lojas de proprietários de diferentes nacionalidades e a coordenação da ação tratou a todos de forma igual e respeitosa."
De acordo com a nota, nem todas as pessoas que aparecem no vídeo são servidores do órgão. Haveria também carregadores de uma empresa terceirizada, contratada para ajudar na operação.
A Receita não informou à reportagem o nome dos envolvidos, nem identificou a função de cada um deles.
O órgão declarou que documentos como notas fiscais, livros de ponto, agendas e holerites, quando de interesse do processo, são apreendidos, pois representam provas de participação dos agentes nos crimes investigados ou de proveito de atividade criminosa. "Não foram apreendidos objetos de uso pessoal dos funcionários que não constituíssem prova."
Segundo a Receita, todos os lojistas tiveram a possibilidade de se apresentar conforme seus respectivos boxes eram abertos, de modo que pudessem fazer o acompanhamento das apreensões.
"Muitas vezes há pessoas que preferem não acompanhar as apreensões para não serem responsabilizadas pelas mercadorias de origem ilegal encontradas", afirmou.
A Receita Federal declarou ainda desconhecer desrespeito à religião budista na operação, "bem como não nos foi entregue qualquer prova de que algo dessa natureza tenha ocorrido.
*Com informações da Folha