Assalto de Gisele Bündchen na abertura das Olimpíadas expõe “a paz dos túmulos”

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Após críticas nas redes sociais, encenação foi excluída da abertura dos Jogos Por Juliana Gonçalves do Brasil de Fato Ao som da música “Garota de Ipanema”, Gisele Bündchen desfila pelas ruas cariocas quando é abordada por uma criança que tenta assaltá-la. Prontamente, policiais surgem para defendê-la. Porém Gisele se coloca entre a polícia e o suposto assaltante e todos se abraçam e dançam no final.  A proposta dessa cena que faria parte da abertura dos Jogos Olímpicos seria passar uma mensagem de paz. Mas a serviço de quem estaria essa paz? Na prosa do escritor pernambucano Marcelino Freire, há um texto que versa sobre a paz como uma farsa. “A paz não resolve nada. A paz fica bonita na televisão. A paz tem hora marcada. Vem governador participar. E prefeito. E senador. E até jogador… A paz é muito branca. A paz é pálida. A paz precisa de sangue”, sentenciou ele. Para o pesquisador, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC/MG (Nesp), Robson Sávio, o discurso da paz muitas vezes é usado para criar uma cortina de fumaça e camuflar a seletividade da violência que ocorre hoje no Rio de Janeiro. “A cidade do Rio de Janeiro é a síntese dos dramas de uma sociedade desigual e repleta de injustiças ratificadas inclusive pela justiça criminal”, conta. Sávio avalia que trazer uma criança nesse papel revela uma clara tentativa de criminalizar a infância, em especial a pobre, negra e periférica. ”O discurso da paz é da paz dos túmulos. Assim, não se explicita as graves violências praticadas no país, inclusive pelo estado”, afirma Sávio. Pouco se falou sobre a cor do menino que interpretava o assaltante, mas diversos veículos da imprensa o tacharam de “pivete”. “Como moradora do Rio de Janeiro, sabemos muito bem qual é provavelmente a cor dessa criança no imaginário das pessoas”, comenta Gabriela Oliveira, formada em Comunicação, ativista do movimento negro e youtuber. “Transmitir uma cena dessa na abertura dos Jogos Olímpicos apenas reforça os estereótipos que recaem nas crianças, sobretudo, as negras”, completa.

Violência policial

Um relatório divulgado nesta terça-feira (02) pela Anistia Internacional revelou a letalidade policial na preparação das Olimpíadas. Houve o aumento de 103% no número de mortes causadas pela polícia na cidade do Rio de Janeiro entre abril e junho de 2016, em relação ao mesmo período de 2015. “Esse número compromete qualquer promessa de legado positivo dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro”, diz o documento lançado pela Anistia há dois dias da cerimônia de abertura. Segundo o Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, a polícia matou 49 pessoas na cidade do Rio em junho de 2016, 40 em maio e 35 em abril – totalizando 124 vítimas em 90 dias, ou mais de uma pessoa morta por dia. Desde 2009, quando o Rio se tornou a cidade-sede dos Jogos Olímpicos, a polícia matou mais de 2.600 pessoas na cidade. “A ação policial nesses momentos como Copa do Mundo e Jogos Olímpicos é pautada numa justiça que cria guetos protegidos pelo aparato bélico, assim ao invés de resolver o problema edêmico da violência, faz uma maquiagem para proteger turistas”, aponta o pesquisador da PUC/MG.

Diferenças

O Brasil que venceu a disputa para sediar o evento em 2009 é bem diferente do país de 2016. “O Brasil que conquistou as Olímpiadas tinha a figura do presidente Lula como líder, uma figura da conciliação do mundo das lutas populares com a sociedade elitista. O golpe à democracia que vivemos hoje denuncia essa farsa. Os grupos que historicamente estão no poder não aceitaram ser coadjuvantes. Não existe conciliação”, analisa Sávio. Para ele, a imagem do Brasil como um lugar harmônico, onde há exaltação da natureza e clima ameno é uma distorção da realidade e “esconde uma sociedade violenta, pautada pela desigualdade social”. A paz nesse contexto não passa de um engodo, como traz Marcelino Freire. “A paz está proibida. A paz só aparece nessas horas. Em que a guerra é transferida. Viu? Agora é que a cidade se organiza. Para salvar a pele de quem? A minha é que não é”. Foto de Capa: André Miguez/ Mídia Coletiva