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O ministro interino do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, além de ter indicado um coronel da Polícia Militar para a Secretaria de Políticas sobre Drogas, quer restringir "ao máximo" o consumo de bebida alcoólica e promete substituir membros da pasta "que participem de discussões sobre políticas antidrogas". Entidades criticam
Por Redação
Acadêmicos, associações, entidades e parte da população no geral está preocupada com os retrocessos que o governo interino de Michel Temer pode trazer à área de políticas de drogas. O ministro interino do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, disse em entrevistas recentes que é "à favor de um maior rigor contra entorpecentes" e prometeu substituir membros da pasta que "participem de discussões sobre políticas antidrogas". No lugar, ele pretende colocar pessoas que sejam, por exemplo, contra a legalização da maconha.
Para a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, indicou um coronel da Polícia Militar de São Paulo.
"No conselho sobre drogas, por exemplo, o pessoal que está lá representando o ministério quer liberar a droga. É incompatível com a orientação desse ministério", disse o ministro, que antes era deputado federal pelo PMDB e assíduo defensor de uma política mais rígida com relação às drogas, em entrevista ao Estadão Osmar Terra defendeu até uma restrição maior ao consumo de álcool. "Sou a favor de um maior rigor contra as drogas. Não sou a favor da liberação. Estamos com uma epidemia. O governo Dilma foi omisso nessa questão. Quanto ao álcool, deve se restringir de toda maneira que se puder", completou.
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Não compro, planto
Na contramão do mundo, em um momento em que cada vez mais países e nações se esforçam para repensar uma política de drogas mais efetiva, segura e sustentável, o ministro acredita que, até hoje, o "Brasil não fez uma guerra às drogas de forma séria".
"Tem que ter algum tipo de punição, senão ele (o usuário) vai consumir mais. É claro que existe o usuário recreativo, mas isso é uma loteria", disse ao jornal O Globo.
Para a Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas (PBPD), rede composta por mais de 30 entidades de diferentes áreas de atuação, "são alarmantes os sinais de que essa área do governo interino seja conduzida por uma perspectiva militar, a guerra às drogas".
"Reforçar a guerra às drogas é agravar o já inaceitável quadro da violência no Brasil, que há mais de uma década conta seus homicídios em dezenas de milhares, vitimando majoritariamente os grupos populacionais mais pobres e etnicamente discriminados, como os jovens negros", escreveu a Plataforma em nota divulgada na última sexta-feira (3).
Leia a íntegra da nota divulgada pela Plataforma
A Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD) – rede composta por 34 instituições, grupos e coletivos das mais diversas áreas de atuação – vê com enorme preocupação a grave crise política brasileira e os primeiros movimentos do governo interino no tocante à política de drogas. Não podemos abrir mão dos poucos avanços conquistados nos últimos anos. É inegável que a atuação dos mais diversos movimentos sociais e participação de especialistas de diversos campos do saber mudaram de patamar a discussão sobre política de drogas no Brasil. Por isso mesmo, são alarmantes os sinais de que essa área do governo interino seja conduzida por uma perspectiva militar – a guerra às drogas – e, assim, esteja centrada na repressão da oferta, uma estratégia fracassada que nunca foi capaz de diminuir os danos potenciais decorrentes do uso de substâncias ilícitas. Reforçar a guerra às drogas é agravar o já inaceitável quadro da violência no Brasil, que há mais de uma década conta seus homicídios em dezenas de milhares, vitimando majoritariamente os grupos populacionais mais pobres e etnicamente discriminados, como os jovens negros.
Essas são as mesmas características sociais dos mais de 620 mil encarcerados e encarceradas no país, um número que cresce ano após ano, dos quais mais de 28% respondem pelo crime de tráfico de drogas, proporção que passa de 60% no caso das mulheres presas. A inútil escalada de encarceramento e violência segue alheia às inúmeras evidências científicas e ao crescente debate internacional acerca de inúmeras políticas alternativas.
Tampouco podemos aceitar que as políticas de cuidado e tratamento a pessoas que fazem uso problemático de drogas privilegiem a internação em detrimento da ainda incipiente rede de atenção psicossocial (RAPS) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Todo o atendimento financiado por recursos públicos deve ser sustentado por evidências científicas a respeito de sua efetividade e ter como pressuposto inegociável a garantia dos direitos humanos. Igualmente, programas de redução de danos e a de disseminação de informações qualificadas sobre drogas, que tanto evoluíram nos últimos anos, não podem ser ignorados e ofuscados em favor de discursos ultrapassados que veem no medo e na abstinência o único objetivo possível da ação estatal.
Em um momento de grave questionamento da representação política, é fundamental que todos os mecanismos de participação democrática sejam garantidos na formulação, discussão e avaliação dos diversos campos da política de drogas no Brasil. Em face dos danos, reais e potenciais, que dela decorrem, a política de drogas deve ser prioridade e não ser relegada a decisões pouco transparentes de grupos restritos de interesse e/ou legendas políticas sem compromisso com um Estado plural e laico.
A PBPD, em articulação com seus membros, está sempre aberta ao diálogo e, ao mesmo tempo, mobilizada para denunciar e enfrentar formulações políticas que caminhem no sentido oposto aos de nossos princípios: uma política de drogas que garanta e promova os direitos humanos, a saúde e a segurança públicas.
Foto: Câmara dos Deputados