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Manifestação de grupo a favor do golpe provocou a reação dos estudantes que defendem a democracia e a permanência da presidenta Dilma Rousseff; teatro do Rio, juristas da UFPE e “Advogados da Legalidade”, no RS, também se reuniram pela democracia
Da Redação
A provocação de um grupo de algumas dezenas de alunos favoráveis ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT) provocou a reação de um grupo ainda maior de estudantes na noite desta segunda-feira (21/03) contrários ao golpe e pelo cumprimento do mandato da petista. Os defensores da interrupção do mandato foram recebidos por grupos que gritavam “não vai ter golpe” e “golpistas, golpistas não passarão”.
A situação ficou tensa e a Polícia Militar entrou em ação. Segundo relatos, o grupo a favor do governo foi o mais atacado, com balas de borracha e bombas de gás. Inicialmente, os estudantes reagiram com gritos pelo fim da PM. Depois, também passaram a atacar objetos contra os policiais que os atacavam.
Representantes da classe artística do Rio também se mobilizaram nesta noite contra o golpe, em um ato na Fundição Progresso, na Lapa. Participam pesquisadores como Flora Süssekind, Enrique Diaz, Ivan Sugahara, Angela Leite Lopes, Patrick Sampaio, Gabriela Carneiro da Cunha, Lívia Paiva, Tárik Puggina. E artistas reconhecidos do cenário cênico da cidade, como Amir Haddad, Renata Sorrah, Cecília Boal, Chacal, Carlito Azevedo, Elisa Lucinda, Enrique Diaz, Gregorio Duvivier, Lia Rodrigues, Lucia Murat, Luiz Fernando Lobo, Marcus Faustini, Adriana Schneider, além de alunos, funcionários e professores da Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Penna, entre outros (leia abaixo o texto divulgado por eles).
Profissionais da área jurídica e professores e estudantes de Direito se reuniram em frente ao prédio da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco em outro ato em defesa da democracia. Eles consideram a tentativa de afastar a presidenta um ataque à democracia no país, por conta ilegalidades e violações à Constituição Federal (abaixo, a nota dos juristas pernambucanos).[caption id="attachment_80781" align="aligncenter" width="649"] Foto: divulgação[/caption]
Um grupo de advogados do Rio Grande do Sul também se reuniu-para organizar estratégias de atuação para denunciar ilegalidades nos processos de impeachment da presidenta Dilma Rousseff e de investigação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O grupo se encontra há cerca de 15 dias e se intitula Advogados pela Legalidade. Não se trata de uma instituição juridicamente organizada — mas sim de colegas do direito que sentiram a necessidade de se posicionar contra o que afirmam ser um golpe de Estado.
"No século 20, os golpes vinham com tanques de guerra. No século 21, os golpes vêm de toga", disse um dos coordenadores do grupo, o advogado Antonio Escosteguy Castro. Ele citou a queda de Manuel Zelaya, em Honduras, e o impeachment de Fernando Lugo, no Paraguai, como exemplos de destituições com legitimação jurídica — mas que, segundo o advogado, ferem a democracia. "É tarefa dos advogados democratas enfrentarem essa disputa para não permitir que esses golpes não se legitimem aqui no Brasil".
Com informações do Jornalistas Livres e da Agência Brasil
Leia na íntegra, o manifesto dos artistas:
“Teatro pela democracia”
Pela legalidade democrática.
Pelo estado democrático de direito.
Contra o golpe jurídico-midiático.
Contra o impeachment.
Este ato surge da necessidade de grupos ligados ao trabalho em teatro de resistir ao golpe em curso e defender a democracia.
Ato aberto e apartidário para o qual conclamamos artistas de outras áreas, profissionais de outros campos e todos aqueles que, como nós, não permitirão que a ameaça ganhe mais terreno.
Vimos repudiar enfaticamente os acontecimentos que atentam contra o estado de direito e a legalidade democrática.
Vimos nos posicionar pela defesa dos direitos civis e das garantias individuais.
Vimos reconhecer a importância das recentes conquistas do povo brasileiro, entre elas a diminuição significativa da secular desigualdade social; a saída do Brasil do mapa da fome; o aumento do acesso das classes populares à educação fundamental, técnica e universitária; o desenvolvimento de políticas pela igualdade e diversidade racial, religiosa e de gênero.
Vimos exigir a continuidade do governo eleito e o avanço das políticas de distribuição de renda e demais pautas tão fundamentais quanto urgentes para uma maior justiça social e ainda carentes de atenção, entre elas a demarcação e defesa de terras indígenas, maior regulação do agronegócio, a defesa do Estado laico, a real reforma política, a democratização dos meios de comunicação, a descriminalização dos movimentos sociais, a aprovação da PEC 150-421 que garante o mínimo de 2% do orçamento federal para a Cultura.
Nós, artistas, que desempenhamos papel histórico fundamental na resistência à ditadura militar, não faltaremos com
nossa contribuição em um momento como o que se apresenta. Não se trata de partidarismo. O fazer político não pressupõe filiações institucionais. Tomaremos partido!
Experimentados em dramaturgia que somos, nos afronta a farsa mal armada, o subtexto medíocre, a direção mal intencionada.
Um golpe está sendo montado, podemos ver, mesmo que os refletores apontem para o outro lado e as armas sejam outras.
Não permitiremos que caia o pano da jovem democracia brasileira. Nosso fazer não diz respeito à arte somente, mas a todos aqueles que vivem e tem voz. A todos os que acreditam na importância de ter suas palavras ouvidas e livres, ou virão a delas se servir.
Um palco incendiado põe em risco todos os atores e narrativas. Não admitiremos a reencenação de um triste e — julgávamos — superado período histórico.
No teatro, os que realmente veem e ouvem não permanecem calados por muito tempo. Vemos suas vozes se erguendo em cada vez mais alto e bom som.
Não vai ter golpe.
Nunca mais”.
Leia o texto divulgado por juristas pernambucanos:
Integrantes da comunidade acadêmica da Faculdade de Direito do Recife-UFPE, que subscrevem esta nota, vêm tornar público seu repúdio aos ataques à democracia brasileira, bem como sua defesa a preservação dos direitos e garantias fundamentais, conquistados após longos e duros entraves na história do país. Sabemos da importância do combate à corrupção. As instituições precisam cumprir seu papel. A consolidação democrática exige, pois, a responsabilidade com o patrimônio público e a devida reprimenda dos que contra ele atentam. Esse combate, entretanto, deve acontecer estritamente dentro dos marcos do Estado Democrático de Direito e da Constituição cidadã de 1988. Não é razoável que os procedimentos judiciais se tornem espetáculos midiáticos que desobedecem ao desenvolvimento regular de um processo, ignorando a serenidade e prudência necessárias a um correto julgamento.
Grampos telefônicos verificados em escritórios de advocacia e advogados de investigados comprometem o sigilo profissional; conduções coercitivas em desacordo com o disposto no Código Processo Penal descumprem o devido processo legal; divulgação de conversas telefônicas sem conteúdo criminal, oriundas de grampos, que foram realizados mesmo após o fim da autorização judicial, e desconsideração das competências constitucionalmente estabelecidas para investigação de autoridades com prerrogativa de foro constituem atos judiciais exercitados em desacordo à legalidade estabelecida, violam e comprometem os direitos fundamentais que asseguram um Estado que se pretenda democrático de direito.
A Constituição não é supérflua em estabelecer direitos e garantias aos indivíduos. O Estado de exceção deixou na sociedade brasileira marcas profundas de autoritarismo, até hoje não totalmente superadas em nossas instituições. É nesse contexto que a Universidade não deve apenas para preparar profissionais para servir ao mercado ou desempenhar acriticamente suas funções em gabinetes, há uma dimensão pedagógica que impõe a formação dos juristas para atuar conscientemente na sociedade em que se insere e, portanto, pronto para defender a democracia e os direitos do povo. Tais violações se inserem dentro dessa lógica de educação que costuma ignorar uma formação humanista voltada para preparar as pessoas a lidar com as diferenças e faz com que violações aos direitos constitucionais sejam corriqueiros nas vidas dos brasileiros/as negros/as e pobres.
O poder judiciário possui enorme responsabilidade em ser guardião dos direitos e garantias fundamentais, pois recebeu a missão constitucional de instância protetora dos mesmos. Para tal, a Lei Maior também estabeleceu mecanismos de limitação da atuação judicial a fim de impedir o uso abusivo do poder. Instituiu a garantia ao devido processo legal, que se desdobra na vedação às provas ilícitas, ampla defesa, contraditório, entre outros direitos, denotando da leitura sistemática do artigo 5° da Carta Cidadã a necessidade do julgador investigar, processar e punir os delitos, mas sem desrespeitar direitos individuais.
Afinal, nenhuma autoridade está acima da Constituição, e isso vale para qualquer cidadão/ã, de magistrados/as a presidentes/as da República. Por mais nobres que possam ser as intenções, os fins não justificam os meios. Toda prudência é necessária para que possamos superar estes momentos de crise política, sem abrir mão das conquistas democráticas já alcançadas. Cuidemos com muito carinho e firmeza do nosso ainda jovem Estado democrático de direito.