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Em meio ao cenário de epidemia do vírus Zika, a técnica é uma tentativa de controle populacional do mosquito transmissor
Paula Laboissière, da Agência Brasil
Em meio ao cenário de epidemia do vírus Zika na América Latina e no Caribe, a Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea) anunciou esta semana que vai transferir ao Brasil a tecnologia necessária para esterilizar machos do mosquito Aedes aegypti em uma tentativa de controle populacional do vetor na região.
O equipamento será enviado para a biofábrica Moscamed Brasil, localizada na cidade de Juazeiro, região norte da Bahia. A instituição foi escolhida pela própria agência de energia nuclear das Nações Unidas e será a primeira biofábrica do mundo a utilizar a tecnologia de raios-x para esterilização de insetos e controle biológico de pragas.
Em entrevista à Agência Brasil, o doutor em radioentomologia pelo Centro de Energia Nuclear Aplicada à Agricultura da Universidade de São Paulo (USP) e diretor-presidente da Moscamed, Jair Virgínio, explicou que a chegada de um irradiador gama de cobalto-60 vai permitir à biofábrica a produção de até 12 milhões de machos estéreis do Aedes aegypti por semana.
Uma vez superados os procedimentos de desembaraço para a entrada do aparelho no país, sobretudo no que diz respeito às normas técnicas para equipamentos nucleares, a expectativa é que a produção em larga escala de machos estéreis seja iniciada até setembro. Já a liberação dos mosquitos está prevista para começar até o final do ano – inicialmente, em municípios com até 30 mil habitantes.
Segundo ele, a técnica a ser usada se assemelha a uma espécie de controle de natalidade do mosquito.
"É sempre bom lembrar que o macho não pica as pessoas. Ele se alimenta de substâncias açucaradas, como néctar e seiva. É a fêmea quem precisa de sangue para maturar os ovos e colocá-los. E a fêmea do Aedes copula uma única vez na vida", explica Jair Virgínio.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista com o especialista:
Agência Brasil: O Brasil tem o conhecimento necessário para utilizar esse tipo de tecnologia?
Jair Virgínio: Na biofábrica de Juazeiro, já temos um aparelho irradiador de raios-x que também foi doação da Agência Internacional de Energia Atômica. O processo com o irradiador gama de cobalto-60 é o mesmo. O que muda é a escala de produção, já que o irradiador de raio-x é um equipamento menor, sem capacidade para a produção necessária no combate à população de Aedes aegypti. Desde 2005, utilizamos a técnica de esterilização de insetos para controle de praga, sobretudo em moscas-das-frutas.
Agência Brasil: Como será feita a liberação dos machos estéreis do Aedes?
Jair Virgínio: O processo de soltura desses mosquitos ainda está sendo discutido. Há a possibilidade de fazermos a liberação em ambiente de forma terrestre e também de forma aérea. A primeira consiste na simples abertura de recipientes que contenham os insetos. Imagine da seguinte forma: dentro de um carro, o responsável vai abrindo uma espécie de Tupperware e liberando o mosquito, já adulto e estéril. A segunda estratégia consiste na utilização de helicópteros e drones para auxiliar na soltura.
Agência Brasil: Uma vez soltos, como esses machos estéreis interferem no ambiente?
Jair Virgínio: A liberação desses mosquitos é semanal, sendo que, a cada sete dias, liberamos exatamente a mesma quantidade. Vamos usar como exemplo a proporção de dez machos estéreis para cada macho selvagem. Estamos promovendo uma concorrência desleal, fazendo com que a probabilidade de cruzamento com um macho estéril seja dez vezes maior que com um macho selvagem. Na semana seguinte, a mesma quantidade de insetos é liberada. A concorrência, agora, será de 20 para um. Desta forma, a possibilidade de acasalamento entre um macho selvagem e uma fêmea selvagem vai diminuindo em escala exponencial. Em cinco gerações, não havendo novas infestações, atingiríamos zero população selvagem naquela localidade.
Agência Brasil: O macho, mesmo estéril, não representa perigo à população?
Jair Virgínio: É sempre bom lembrar que o macho não pica as pessoas. Ele se alimenta de substâncias açucaradas, como néctar e seiva. É a fêmea quem precisa de sangue para maturar os ovos e colocá-los. E a fêmea do Aedes copula uma única vez na vida. A técnica que vamos utilizar se assemelha a uma espécie de controle de natalidade do mosquito. Funciona assim: vamos produzir, em laboratório, machos estéreis. Em seguida, vamos liberar esses insetos, que vão procurar fêmeas selvagens para acasalar. Os ovos que resultam dessa cópula, entretanto, não conseguem eclodir e se tornam inviáveis. Eles não chegam sequer a virar larvas.
Agência Brasil: Como será feita a seleção de municípios que vão receber esses machos estéreis?
Jair Virgínio: Esse processo ainda está em discussão. O Ministério da Saúde deve definir prioridades, levando em consideração características como população, relevo e disponibilidade de recursos. Bahia e Pernambuco, por exemplo, já fizeram um levantamento de cidades com surto de dengue, Zika e febre chikungunya. A ideia é trabalhar com municípios de até 30 mil habitantes para que a gente tenha maior controle e monitoramento. O processo é mais complexo em grandes áreas. À medida que conseguirmos sucesso, vamos avançando para cidades maiores.
Agência Brasil: Uma única biofábrica dará conta de conter a infestação de Aedes no Brasil?
Jair Virgínio: Não. Precisaríamos de muitas outras biofábricas para atender todo o país. Mas vale lembrar que estamos falando de tecnologias inovadoras e que precisam ser colocadas em escala para serem melhor analisadas. Algumas cidades, por questões de relevo, tamanho e condição demográfica, por exemplo, não teriam êxito com esse tipo de técnica. É preciso checar onde os machos estéreis devem ser liberados e onde eles não devem ser liberados. Só quem vai dizer isso para a gente é a experiência com esse programa.