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Um menino de 16 anos morreu. Mas não há dúvida que ele não foi a única vítima. Não demorou muito para aparecer primeiro discurso de vereador. Ao ignorar a dor das famílias, o receio na sociedade, o governador Beto Richa (PSDB) emitiu uma nota pouco tempo depois do ocorrido com 1.025 caracteres dos quais apenas 83 tratavam da dor das famílias envolvidas. Mas ele não foi o único. A tragédia foi utilizada como bandeira para tentar criminalizar um movimento, que ironicamente, luta por políticas na educação e para a juventude. Ironicamente o real motivo do crime.
Por Gibran Mendes
Assim como na música de João Bosco, dezenas de pessoas estiveram nesta segunda-feira (24) de frente pro crime. Muitas das quais pela primeira vez se aproximaram de um local onde um homicídio aconteceu. Como em toda cena como esta, há uma multidão de pessoas em volta. Policiais, advogados, jornalistas e curiosos. Todos sem respostas. Com algumas perguntas. Mas via de regra com muitas certezas.
Um menino de 16 anos morreu. Mas não há dúvida que ele não foi a única vítima. Na tarde desta segunda-feira também morreram duas mães e dois pais. Os da vítima e os do acusado. Na Delegacia de Homicídios, onde foram acompanhar o filho suspeito de cometer o crime, ficaram parados na porta olhando para o horizonte, como quem busca uma resposta ou tenta acordar de um pesadelo. Não se conversavam com palavras, apenas com olhares que se cruzavam em sabe lá qual galáxia. Mas certamente nunca imaginaram estar naquele local.
O jovem que morreu e o acusado eram amigos. Estavam juntos no Colégio Estadual Santa Felicidade. Chegaram no local por volta das 10h da manhã. Participaram das atividades de rotina da ocupação, como a limpeza do local.
Por volta das 14h30, segundo uma pessoa que prefere não se identificar e que acompanhou o depoimento dos três jovens encaminhados à Delegacia de Homicídios, escutaram gritos e correria. Quando saíram viram o acusado, em cima de um pequeno muro. Ele falou algumas palavras e fugiu.
Uma estudante correu para dentro do colégio e viu a cena. L.M, de 16 anos, estava caído e sangrava. Ela tentou estancar, mas pouco adiantou. O SAMU chegou em aproximadamente 10 minutos. Um tempo pra lá de razoável para um atendimento médico de urgência que precisa se deslocar. Uma eternidade para quem acompanhava a cena.
O jovem não resistiu e faleceu. Do lado de fora, sem saber ao certo o que tinha acontecido, a professora de língua portuguesa do colégio, Loren Reck, não acreditava no que estava acontecendo. “Passei aqui umas três vezes enquanto o colégio estava ocupado. No sábado eles estavam plantando flores no jardim. A comunidade estava ajudando e tudo estava em perfeita harmonia. Era um exemplo de cidadania. Não entrava ninguém na escola sem autorização. É uma coisa que não se explica”, disse a professora em um misto de tristeza e indignação.
Mas há sim explicação. A morte do jovem deriva não apenas de uma briga com seu colega de escola. Mas sim da banalização da violência, do uso de drogas legais ou não e ausência de limites. Professores, educadores, funcionários e demais envolvidos na comunidade escolar conhecem de perto o problema que tirou a vida do estudante. Ele faz parte da rotina das escolas, ocupadas ou não. Quem conhece alguém que trabalha em escolas públicas sabe do que se trata. Assim como sabem que muitas escolas ocupadas hoje estão em melhores condições do que antes dos estudantes tornarem-se responsáveis pelos seus cuidados.
Contudo, assim como na música de João Bosco, não demorou muito para aparecer primeiro discurso de vereador. Ao ignorar a dor das famílias, o receio na sociedade, o governador Beto Richa (PSDB), emitiu uma nota pouco tempo depois do ocorrido com 1.025 caracteres dos quais apenas 83 tratavam da dor das famílias envolvidas. Em momento algum Richa tratou de políticas para juventude, questões ligadas ao uso de drogas ou qualquer ação propositiva. A morte de um jovem e a consequente destruição da vida de pessoas atreladas a ele e ao jovem acusado representam 8% do documento oficial do governador. Mas ele não foi o único. A tragédia foi utilizada como bandeira para tentar criminalizar um movimento, que ironicamente, luta por políticas na educação e para a juventude. Ironicamente o real motivo do crime.
Enquanto a nota era divulgada, advogadas e advogados tentavam entrar na escola sem sucesso. Eram impedidos pela Polícia Militar e posteriormente pelo delegado responsável pelo caso. “A PM não nos deixou entrar. Pediram para aguardar o delegado que ao chegar barrou novamente os advogados e advogadas”, relatou Paulo Lenzi, do coletivo de Advogados e Advogadas pela Democracia.
De acordo com ele, mesmo com estudantes que estavam dentro do colégio solicitando a entrada dos profissionais para auxílio jurídico, o pedido só foi atendido após a retirada do corpo do jovem e dos estudantes serem ouvidos sem presença de um representante legal. “Caso o delegado tente pautar-se apenas nestes depoimentos o inquérito será nulo de origem”, alertava Lenzi.
Não foi o que aconteceu. Três jovens, sendo duas meninas e um menino, todos menores de idade, foram encaminhados para a delegacia de homicídios, ao contrário do informado oficialmente pelo Governo do Estado em nota. Os três prestaram depoimentos e foram liberados, um a um. A última menina a depor deixou a delegacia por volta das 21h30.
O jovem acusado também foi encaminhado à delegacia de homicídios, onde prestou depoimento. De lá seguiu para o IML, em uma ação de rotina, para depois ser encaminhado à delegacia do adolescente. Representantes da defensoria pública também compareceram no local e colocaram o órgão à disposição do jovem acusado a partir do momento em que o inquérito for instaurado.
A investigação seguirá. Assim como a ausência de políticas públicas eficientes para a juventude. O que não terá sequência será a vida destes dois jovens e de seus familiares. Resta saber quanto tempo os pais do garoto acusado seguirão com aquele olhar perdido no horizonte, como quem busca acordar de um pesadelo.
Daqui alguns dias, semanas ou meses, sem pressa cada um irá para o seu lado. Ficará a dor e a ausência dos afetados diretamente pelo crime e neste caso, assim como na música de João Bosco, um silêncio poderia servir de amém. Mas, por enquanto, as autoridades e grupos que disputam um jovem cadáver cantam “ao invés de uma reza uma praga de alguém”.