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Naquela manifestação de abril de 1985, ninguém vestia a camisa da seleção brasileira e quem se reunia na Praça da Liberdade, naquele trágico evento, representava muito bem o sentimento dos brasileiros. Como transparece na manchete do JB: “Minas sepulta Tancredo com a dor do país”
Por José de Souza Castro, no blogue da Kika Castro
Cheguei à Praça da Liberdade às 10h45 deste domingo, dia 16. Enquanto descia a rua da Bahia, comecei a contar. Pequenos grupos de pessoas vestindo a camisa da CBF se dirigiam evidentemente para a concentração contra o governo petista. Minha intenção era contar quantos negros estariam presentes. Não era possível contar o número total de manifestantes.
Vi no caminho vários grupos de policiais militares, muitos deles negros. Não os contei, pois estavam ali a trabalho, escalados pelas chefias, não para protestar. Dei a volta na Praça, em alguns momentos com dificuldade, por causa da aglomeração. Mais intensa diante do palco onde pessoas discursavam sobre um trio elétrico e eram ouvidos nos alto-falantes distribuídos pelos quatro cantos da praça. Discursos contra Dilma e contra o governador Fernando Pimentel, ambos do PT. Ao todo, 10 mil manifestantes na praça, segundo a PM, conforme divulgou “O Tempo” às 11h57.
Nesse mesmo portal, também li que Aécio Neves chegou à Praça às 11h32 e que ele discursou, dizendo: “Estou aqui como cidadão, não como líder partidário. Queremos um basta na corrupção”.
Soube também que outras figuras do PSDB foram aos protestos na praça da Liberdade. Foram vistos o deputado federal Marcus Pestana, o ex-candidato ao governo de Minas Pimenta da Veiga e o deputado estadual João Leite.
Não encontrei nenhum deles, já que deixei a praça às 11h15, para terminar minha caminhada em outro lugar. Estava mais atento, como disse no início, aos negros manifestantes. Contei nove, inclusive uma mulher sozinha, aparentando uns 60 anos. Vi também quatro negros que estavam no evento a trabalho, três com carrinhos cheios de latas de cervejas e refrigerantes para vender, um com um tabuleiro com narizes de palhaço vermelhos. Não sei quantos vendeu. Repórter de “O Tempo” entrevistou um ambulante, às 11h37, vendendo pulseirinhas de hippie e também com camisa contra Dilma. “Já passei fome no passado e votei na Dilma na última eleição. Não tenho do que reclamar desse governo. Não consigo entender isso aqui (protesto). Vim para ganhar dinheiro, mas vendi poucas camisas até agora”, disse ao repórter.
A Praça da Liberdade estava cheia de pessoas, mas elas não representavam de fato a população brasileira, como se vê pelo número minúsculo de negros, e sim um fração dos brasileiros: a classe média – que no passado foi muito importante para mudar regimes políticos sem o inconveniente das urnas.
Já vi a Praça da Liberdade muito mais lotada. Mas nada, na minha experiência de expectador, se comparou à noite de 23 de abril de 1985. Tenho em mãos o “Jornal do Brasil” do dia seguinte. Na capa, uma foto de Delfim Vieira, tirada do alto do Edifício Niemeyer, com a legenda: “Cerca de 1 milhão 500 mil pessoas tomaram as ruas e forçaram a entrada no Palácio da Liberdade para o adeus a Tancredo”.
O avô de Aécio havia sido eleito presidente da República em eleições indiretas, depois de uma intensa campanha pelas “Diretas Já”, mas morreu antes de assumir, deixando a vaga para o vice, José Sarney, do PMDB. O neto tinha 25 anos e, por certo, não se esqueceu das lições de Tancredo.
Vi também aquela manifestação de abril de 1985. Não me passou pela cabeça contar quantos negros havia ali. Mas tenho certeza de que ninguém vestia a camisa da seleção brasileira e que quem se reunia na Praça da Liberdade, naquele trágico evento, representava muito bem o sentimento dos brasileiros. Como transparece na manchete do JB: “Minas sepulta Tancredo com a dor do país”.