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O que você diria se ouvisse falar de um projeto que promete modificar a maneira como as pessoas se relacionam com computadores nas grandes cidades e, ao mesmo tempo, estimule a criação de 1 a 2 milhões de postos de trabalho de base tecnológica no Brasil? Ambicioso, talvez seja a palavra que venha à mente. E essa é justamente a característica do Project Cauã, criado pelo guru do software livre John “Mad Dog Hall”, que participou nesta semana da 16ª edição do Fórum Internacional Software Livre, em Porto Alegre
Por Luís Eduardo Gomes, do Sul 21
O que você diria se ouvisse falar de um projeto que promete modificar a maneira como as pessoas se relacionam com computadores nas grandes cidades e, ao mesmo tempo, estimule a criação de 1 a 2 milhões de postos de trabalho de base tecnológica no Brasil? Ambicioso, talvez seja a palavra que venha à mente. E essa é justamente a característica do Project Cauã, criado pelo guru do software livre John “Mad Dog Hall”, que participou nesta semana da 16ª edição do Fórum Internacional do Software Livre (FISL), na PUCRS, em Porto Alegre.
“Mad Dog” (Cachorro Louco, na tradução do inglês) é uma figura muito conhecida no mundo da tecnologia, especialmente por seu trabalho junto à empresa Linux International, do qual é diretor-executivo. Na manhã da última quinta-feira (9), durante um café da manhã em um hotel no Centro de Porto Alegre, Hall nos explicou a ideia por trás de seu ambicioso Project Cauã. Segundo ele, este nome é um termo em tupi, cujo significado é águia. Coincidentemente ou não, é o mesmo nome do neto brasileiro de Hall, que tem 9 anos e vive em Curitiba.
Projeto com a cara do Brasil
Hall não é nenhuma cara nova na FISL. Na verdade, essa é a sua 15ª participação do evento. Ele também está bem habituado ao Brasil. Conta que já veio mais de 50 vezes ao País desde sua primeira visita, em 1996, e que costuma passar por aqui cerca de dois meses por ano. Muito disso por causa do Cauã, um projeto que está sendo moldado de acordo com a realidade brasileira e sobre o qual ele palestrou no Fórum na última sexta-feira (10).
Hall conta que a ideia do Project Cauã surgiu há nove anos a partir de uma observação da cidade de São Paulo. “Eu vi essa grande cidade, como uma enorme densidade e prédios muito, muito altos. Eu disse: ‘acho que a gente pode fazer algo melhor aqui'”, diz.
“Em todos esses prédios altos há computadores ligados desperdiçando energia, criando calor. Se você substituí-los por computadores pequenos, que só utilizam 5 watts de energia elétrica, mas tem o mesmo poder computacional dos grandes, então você poupa muita energia e calor”, complementou, tirando do bolso uma pequena estrutura (foto ao lado) que abriga uma CPU de 64-bit, processador com 8 núcleos, 1 GB de memória, 2 portas de USB, uma porta HDMI e conector wireless, isto é, mais potente do que muitos computadores vendidos no mercado, só que produzido a um custo unitário muito menor (US$ 120).
Para solucionar esse desperdício, Hall teve uma ideia: instalar no porão desses altos prédios, um servidor responsável por armazenar todos os dados e programas, e distribuir, como serviço mediante mensalidade, esses pequenos computadores aos clientes do prédio. Quando um deles apresentar problemas, seria necessário trocar apenas uma placa, não o sistema inteiro, explica Hall. “Não precisa se preocupar com o software, não precisa se preocupar com os dados. Apenas o usa”, diz.
Hall explicar que, com a instalação desses servidores (uma espécie de super computador) em cada prédio, o objetivo é tornar os computadores mais eficientes e mais fáceis de usar, criar uma bolha de internet sem fio sobre as cidades que as pessoas poderiam usar de graça, criar acesso à capacidade computacional de alta qualidade de forma mais barata ou até gratuita e reduzir o lixo eletrônico gerado por spam e vírus. A ideia é começar por prédios ainda em construção e depois partir para levar esses servidores àqueles que já têm moradores e escritórios.
Projeto para fomentar empreendedorismo
É na parte da prestação de serviços que entra o principal foco do Project Cauã: gerar empregos. Hall acredita que há um imenso potencial de trabalho para pessoas que fiquem a cargo de realizar os serviços de manutenção dos computadores, garantindo que estes funcionem de forma apropriada. E como esses empregos seriam criados? Não diretamente pelo Project Cauã, mas sim por pessoas que se interessem em prestar estes serviços. Isto é, ele acredita na força de estimular o empreendedorismo.
“Esses empreendedores estarão vendendo esses serviços para os consumidores. Porque eles não fazem isso hoje? Número 1, eles não sabem como. Número 2, ninguém pensou nisso antes. Número 3, ninguém se deu conta de quanto dinheiro nós perdemos a cada dia porque não utilizamos os computadores da maneira como deveriam ser usados”, afirma Hall.
Em uma projeção ambiciosa, ele acredita que, através desse empreendedorismo, o Project Cauã poderá estimular a criação de 1 a 2 milhões de empregos no Brasil e 2 a 3 milhões de empregos nas grandes cidades da América Latina, que compartilham com as metrópoles brasileira as características de serem centros urbanos densamente povoados.
“Haverá de 1 a 2 milhões de pessoas que vão decidir criar o próprio negócio usando as técnicas que o projeto Cauã irá ensinar a eles”, prevê Hall, explicando que esse conteúdo será disponibilizado de forma gratuita na internet (através de vídeos, por exemplo) e em aulas presenciais. Hall, porém, diz que prefere guardar segredo no momento sobre como o Project permitirá ganhar dinheiro. “Nós temos um plano de negócio. Mas não posso te contar”, brinca.
Trabalho em universidades
Justamente por se preocupar com o treinamento dos empreendedores, o Project Cauã terá como um de seus focos iniciais estudantes universitários. Hall conta que identificou, no Brasil, que uma parte dos estudantes de universidades públicas brasileiras e bolsistas de universidades brasileiras não têm condições de ir às aulas porque não têm condições de pagar por moradia, alimentação, transporte, etc.
“O que aconteceria se você pegasse esses estudantes – que provavelmente utilizam o computador desde os 9 anos, que podem desmontar um computador e montar de volta e já fazem isso para familiares e amigos – e os ensinasse a montar um negócio de conserto e manutenção?”, diz Hall.
Questionado sobre por que esses estudantes não poderiam montar esses negócios por conta própria, ele responde: “Porque não sabem como. Eles sabem como reparar um computador, mas nunca montaram um negócio na vida. O projeto Cauã os treinará em empreendedorismo. E lhes dará ferramentas para tornar o negócio mais barato”, afirma.
Além do treinamento, o Project Cauã permite disponibilizar serviços básicos para os empreendedores, como esqueletos de contratos e material publicitário, plataformas para agendar seus serviços, etc. Atualmente, ele diz que já está em contato com universidades brasileiras e buscando apoio de municípios da grande Florianópolis, onde se encontra um de seus principais parceiros no projeto, o brasileiro Douglas Conrad.
Guru do Linux
Com uma longa trajetória dentro do mundo da tecnologia, Hall atualmente presta serviços de consultoria para empresas e é o diretor-executivo da Linux International, empresa responsável pelo sistema operacional Linux. Ele conta que conheceu Linus Torvalds, o criador do sistema operacional open source que “rouba” milhões de clientes de gigantes como Microsoft e Apple, quando este ainda era um estudante universitário, em 1994.
“Ele tinha o início de um protótipo. Eu dei uma olhada e pensei: ‘isso é realmente bom, não é um hobby, não é um brinquedo, é algo que vai ter valor comercial real'”, conta Hall.
Como uma empresa de código aberto, o Linux não tem fins lucrativos. Em razão disso, Hall, apesar de anos dedicados à companhia, diz nunca ter recebido um centavo dela. Ao menos não diretamente. “Tudo que eu faço pelo Linux, é de graça. Tudo que eu faço para empresas ajudando-as a usar o Linux, eu recebo por isso”, diz o guru.
Ganhando dinheiro com software livre
O trabalho de Hall como consultor e a própria ideia por trás do Project Cauã fazem parte deste movimento do software livre, no qual se insere a FISL, em que o objetivo não é ganhar dinheiro com uma cópia física ou digital, mas compartilhar conhecimento, conteúdo e, quando possível, ganhar com a prestação de serviços.
Hall explica que, quando as pessoas compram softwares (os programas de informática) e hardwares (os equipamentos de informática), elas, na verdade, não estão comprando os produtos em si, mas a solução que eles trazem para um problema. E esta solução pode ser oferecida da mesma forma por um software livre, com a vantagem de, por serem de código aberto, poderem ser modificados para atender necessidades específicas.
“Com o software livre, você pode fazer dinheiro das mesmas formas do que no software pago, desde que seu nome não seja Bill Gates. Se o seu nome é Bill Gates, você vende o software. Mas se não é, você ajuda as pessoas a instalar o software e pode cobrar por isso, você ajuda as pessoas a se livrar de vírus e spam e pode cobrar por isso”, diz.
Foto: Caroline Ferraz/Sul21