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Por conta de um evento satírico contra Aécio Neves que alunos haviam organizado no ano passado, a reitoria enviou um ofício à Secretaria de Segurança Pública solicitando que o órgão tomasse providências contra três estudantes, que agora são alvo de inquérito policial. Universidade alega incitação à violência, uso e tráfico de drogas na instituição. “Não há provas. É perseguição política”, afirma advogado. Entenda o caso
Por Ivan Longo
O clima é tenso na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Paralelamente ao caso da ocupação da reitoria (promovida por estudantes contra o aumento das mensalidades), três alunos, que não têm relação com este movimento, estão sendo criminalizados por meio de um inquérito policial. Quem está tentando criminalizá-los é a própria reitora da instituição de ensino, Anna Cintra.
O motivo? Uma festa que nem chegou a acontecer. Cauê Seignemartin e Aline Mandelli, do curso de Ciências Sociais, e Akira Pinto Medeiros, do curso de Relações Internacionais, organizadores do tal evento que aconteceria em outubro do ano passado, foram acusados pela reitora Anna Cintra de planejarem “incitaçao à violência, vandalismo e consumo de drogas”, além de sugerir que eles traficavam entorpecentes na universidade.
Sem instaurar nenhum tipo de sindicância e nem dialogar com os estudantes, a reitora enviou, à época, um ofício diretamente a Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP), solicitando que órgão tomasse providência em relação aos alunos.
[caption id="attachment_61402" align="aligncenter" width="435"] Ofício que Anna Cintra enviou à SSP denunciando os estudantes. (Foto: reprodução)[/caption]
Os estudantes, então, se tornaram alvo de um inquérito policial a que só agora tiveram acesso. A documentação é formada por fotos, prints de telas da internet e outros materiais que julgam ser falaciosos e que expõem outros estudantes, denotando, além da tentativa de criminalização, uma prática de quebra de privacidade que estaria sendo praticada pela instituição.
Para os organizadores do evento, trata-se de perseguição política, tendo em vista que não há provas contra eles e que a motivação para incriminá-los estaria no fato de que, na época das eleições do ano passado, eles lideraram movimentos relevantes de apoio à presidenta eleita Dilma Rousseff.
A festa em questão
O evento que a reitoria utilizou para encurralar os estudantes diante da polícia aconteceria em 24 de outubro, apenas três dias depois do ato de apoio a Dilma na PUC e apenas dois dias depois de outro evento de apoio à presidenta, onde simpatizantes de Aécio Neves agrediram militantes petistas.
Com o nome de “Fim de carreira para Aécio e seu vice Adão”, a festa em questão faria uma sátira ao candidato de oposição mas teve, inclusive, o seu nome mudado para “Mais amô, forró e democracia na PUC” por conta do clima polarizado que já estava na instituição.
[caption id="attachment_61404" align="aligncenter" width="549"] Página do evento, com o nome já alterado, e uma confirmação de presença, no mínimo, estranha: a de Lafayette Pozzoli, chefe de gabinete da reitoria. (Foto: reprodução)[/caption]
A reitoria, às escondidas, enviou o oficio à SSP, alegando que os estudantes promoveriam vendas e consumo de drogas na festa, além de praticar atos de vandalismo e violência, e trancou os portões da universidade naquela sexta-feira, impedindo a realização do evento.
Somente em janeiro, então, que os alunos ficaram sabendo que eram alvo de inquérito, quando foram chamados para prestar esclarecimentos 23º Distrito Policial de Perdizes.
A Polícia Civil, por sua vez, concluiu o inquérito essa semana e não encontrou qualquer prova para as alegações da reitora de que os estudantes estariam fazendo apologia ou vendendo drogas ou mesmo incitando a violência. O caso será encaminhado Ministério Público e deve ser arquivado caso não solicite novas investigações à polícia.
De acordo com Cauê, um dos alunos alvo do inquérito, as únicas menções à droga que devem ter motivado a universidade a julgar como apologia eram sátiras ao candidato Aécio na descrição do evento, como "Vou com Aécio para a gandaia mas para urna nem pensar" ou "Meu hilocóptero, minha farinha".
“Em nenhum momento convidamos ninguém para usar drogas. Imagina vender”, disse o estudante.
Perseguição política: “Estão criminalizando quem denuncia violência”
Tanto para os estudantes quanto para o advogado que acompanha o caso e defende o grupo, não há dúvidas de que as ações da reitora Anna Cintra contra os três denotam perseguição política. Isso por que, para eles, não há cabimento denunciar por incitação à violência justamente alguém que pediu abertura de sindicância na universidade contra atos violentos.
Cauê, poucos dias antes da reitora enviar o ofício contra eles à SSP, mandou um e-mail a reitoria cobrando providencias quanto aos casos de agressão de militantes tucanos contra petistas no ato que havia ocorrido na mesma semana. A universidade, no entanto, nada fez em relação a esse caso.
“A gente que denunciou a agressão e a gente está respondendo por incitar agressão. Por que a reitoria não está indo atrás do grupo que agrediu?”, questionou o estudante. “É perseguição política e ideológica. Eles propõem soluções para os casos de violência e são eles que a reitoria persegue”, afirmou o advogado Carlos Augusto de Lucca.
Lucca ainda vai além para sustentar que a motivação para a perseguição da reitora é puramente ideológica. “É perseguição política por conta do ato pró-Dilma. Perdizes não via um movimento como esse desde as Diretas Já. Isso gerou uma reação dos militantes do PSDB de agressão, a faculdade foi negligente em relação a isso e se usou de provas falaciosas para encriminar os estudantes que estavam por trás do movimento de apoio a Dilma”, analisou.
Provas falsas e “vigilância”
Para incriminar os alunos em questão, a reitoria da PUC anexou ao ofício enviado à SSP fotografias que mostravam, supostamente, o consumo e a venda de drogas nas instalações da universidade. Cauê conta, no entanto, que ao ter acesso ao conteúdo, constataram que as fotos são de 2013, não havendo como comprovar que há o consumo de drogas já que nenhum dos três estudantes aparece nas imagens.
Como se não bastassem as fotos que não correspondiam ao caso, Cauê chamou atenção ainda para o fato de que, na PUC, não há qualquer aviso de que as instalações são monitoradas e que os alunos são vigiados e, menos ainda, o conhecimento de que esses registros são gravados. Ele mencionou, inclusive, que nos anexos do ofício consta uma imagem de câmeras de segurança que monitoram um Centro Acadêmico sem o consentimento dos alunos.
“Eles falam que não espionam e que não arquivam, mas tem câmera pegando dentro do Centro Acadêmico. Não tem placa avisando, nada. Eu só não vazo essas fotos por que vai acabar expondo as pessoas que aparecem nelas”, revelou o estudante.
O advogado Carlos Augusto de Lucca, por sua vez, conta que o monitoramento e o armazenamento de imagens feito pela faculdade é legal no âmbito da segurança, mas que fere uma série de princípios, uma vez que esse material é encaminhado a polícia sem solicitação prévia. “O monitoramento em si, embora seja constrangedor para os estudantes, pode ser feito no âmbito da segurança. O que ela [a reitora] jamais poderia fazer é mandar as imagens para inquérito policial. Isso deveria ter sido requisitado pela autoridade policial, mediante autorização do juiz. Elas são confidencias e tratam da imagem dessas pessoas. A imagem da pessoa tem que ser protegida”, pontuou. Caso o inquérito seja realmente arquivado, os estudantes analisam entrar com um processo contra a reitoria por danos morais.
A reitora Anna Cintra, por sua vez, respondeu às alegações dos alunos, que publicaram um artigo no jornal da universidade contando o caso. Cintra utilizou, essa semana, o e-mail institucional da reitoria para responder aos estudantes e o enviou aos milhares de alunos matriculados na instituição.
Na nota, ela diz que “não há perseguição nem espionagem a seus alunos, muito menos criminalização dos eventos estudantis”, completando ainda que "a direção da Universidade pretende cuidar de seus estudantes e seu patrimônio, e por isso teve de recorrer à Secretaria de Segurança Pública para denunciar a realização de uma atividade que fazia apologia ao uso de drogas”.
Procurada, a assessoria de imprensa da PUC-SP não se posicionou quanto às alegações dos estudantes até o fechamento desta reportagem.