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O advogado, que teve papel decisivo na defesa dos perseguidos políticos, na busca dos desaparecidos e na luta contra o regime de 64, fala sobre os 50 anos do golpe e o momento atual da democracia brasileira: "Sopra um vento conservador no País"
Por Marilza de Melo Foucher, no Brasil 247
É impossível dissociar a história do advogado Luiz Eduardo Greenhalgh da conquista dos direitos da republica democrática no Brasil. Ele foi um batalhador incessante do Estado de Direito, árduo defensor desta jovem democracia. Ele assumiu ao longo de muitos anos a defesa dos dirigentes políticos e sindicais perseguidos, presos, torturados e de muitos desaparecidos durante a ditadura. Luiz Eduardo Greenhalgh participou na fundação do Comitê Brasil Anistia. Foi também um dos coordenadores do Projeto “Ditadura Nunca Mais” para denunciar todos os crimes ocorridos durante o regime ditatorial. Ele foi vice-prefeito da capital de São Paulo (1989-1993) no governo de Luiza Erundina de Souza e exerceu quatro mandatos de deputado federal pelo estado de São Paulo. Leia, abaixo, sua entrevista.
247 - Nesses 50 anos do golpe militar, como você analisa hoje o processo de democratização do Brasil?
Greenhalgh - Vejo o processo de redemocratização do Brasil como sinuoso. Com avanços e retrocessos. Avanços no desenvolvimento social e retrocesso na consciência social do povo. São exemplos desse retrocesso, o resultado do plebiscito sobre o Estatuto do Desarmamento, as insistentes propostas de redução da idade penal e o aumento do contingente de cidadãos favoráveis à pena de morte. A impressão que tenho, nesse momento, é que sopra no Brasil um vento conservador, reacionário mesmo.
247 - O processo de democratização no Brasil forjou ao longo desses anos um Estado de direito?Greenhalgh - O processo de democratização no Brasil forjou este estado de direito que temos com instituições em crise, resultando certa distorção em suas funções. Exemplo disso: O Poder Judiciário acaba legislando em questões centrais, usurpando, de certa maneira, a função constitucional e normal do Poder Legislativo. Isso se faz através das chamadas ações judiciais de declaração de inconstitucionalidade e de afirmação de preceito constitucional. Na minha opinião, essa inversão de funções é crescente no Brasil, com a politização do judiciário e a judicialização da política. Por outro lado, o Poder Executivo tem amarras legais exarcebadas, que acabam atrofiando suas ações e as fazendo, cada vez mais, dependentes de acertos com o Legislativo e permissão do Judiciário. Tirante essas distorções, nós estamos construindo um estado de direito com o reconhecimento cada vez mais dos direitos dos excluídos, das mulheres, das crianças, dos negros, dos índios, dos homossexuais etc. etc. Nesse sentido, há, sim, por parte do Estado Brasileiro uma maior preocupação com a legitimação dos direitos desses setores.
247 - Sua biografia estar ligada à defesa dos desaparecidos durante a ditadura militar. Por que até hoje os militares não permitem o acesso aos seus arquivos?
Greenhalgh - Sobre a questão dos desaparecidos há de se ressaltar as peculiaridades do processo brasileiro. A primeira, a de que a Anistia foi conquistada ainda vigente o regime militar (28 de agosto de 1979). Assim, se de um lado a Anistia foi uma conquista democrática, resultado de uma luta concreta dos setores atuantes contra a ditadura militar (advogados, familiares, jornalistas, artistas, intelectuais, estudantes, operários, religiosos, etc.), de outro lado, o fato dela ter sido promulgada durante a vigência do regime, deu aos militares a oportunidade de incluir na Lei de Anistia um artigo que os beneficiava, dando anistia aos que tivessem cometido crimes conexos aos crimes políticos. Isso equivale a uma auto Anistia. A um escapulir preventivo das responsabilidades dos torturadores e dos assassinos integrantes do aparelho de repressão policial-militar-político, do regime.
Ocorre, entretanto, que como se sabe, o desaparecimento forçado de pessoa é um crime permanente e que só cessa quando do encontro da pessoa ou de seu cadáver. Enquanto isso não corre prescrição. De outro lado, a tortura é crime imprescritível, insuscetível de Anistia, graça ou perdão, pela própria Constituição Federal.
Assim, o resultado disso é que os responsáveis pelas torturas, mortes e desaparecimentos de perseguidos políticos durante o regime militar não estão isentos de processos criminais e a União Federal de processos civis declaratórios ou indenizatórios. É por isso que os militares se esforçam por sonegar informações sobre suas responsabilidades naquele período.
247 - Por que nenhum evento nacional é organizado para celebrar a democracia e reafirmar: Ditadura Nunca Mais? Hoje se assiste o retorno em força da direita reacionária inclusive ocupando o espaço nos protestos de rua. Ainda existe um perigo de golpe no Brasil?
Greenhalgh - Acho que não há evento nacional para celebrar a democracia brasileira porque ela não foi conquistada em um determinado momento. Ela foi sendo conquistada gradativamente. Primeiro a Anistia. Depois a Assembléia Nacional Constituinte. Depois a reorganização partidária. Depois as Eleições Diretas até se chegar à possibilidade de ter um operário e uma ex-presa política como Presidentes. Apesar da opinião que tenho da existência de um avanço do conservadorismo reacionário no Brasil (aliás, fenômeno crescente também no plano internacional), e, de não haver celebração do tipo ditadura nunca mais, não considero, hoje, haver espaço para um novo golpe militar. Apesar de a direita reacionária estar ocupando espaços públicos em suas manifestações. Isso é preocupante, mas, considero que a direita reacionária nesse instante esteja acumulando forças.
Isso não quer dizer que não exista um perigo de golpe no Brasil. Basta ver a história do Brasil para ter a certeza de que somos marcados por golpes de estado. Então, temos que ir avançando com um olho nos avanços democráticos e outro nos golpistas de sempre.
247 - Que mensagem você teria de passar para a geração que nasceu a partir de 1964?
Greenhalgh - A mensagem para a geração pós 64 que tenho procurado passar é a de não esquecer o que passamos de 64 a 85. Fico impressionado com o profundo desconhecimento que essa nova geração possui sobre a ditadura militar. O desconhecimento muitas vezes leva ao descompromisso com a história.
Por isso, procuro sempre fazer palestras, onde narro episódios, relembro julgamentos, critico a Lei de Segurança Nacional, falo sobre o movimento de Anistia, do depoimento sobre torturas, mortes e desaparecimentos políticos, sempre na convicção de que recordar é viver; viver é aprender e aprender é não esquecer.
Imagem de capa: Brasil 247