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Para socióloga, violência policial está causando uma “revolta popular” contra as policias pacificadoras do governo do fluminense
Por Igor Carvalho
Algumas comunidades do Rio de Janeiro voltarão a ser ocupadas pelo exército brasileiro. A medida, uma parceria entre o governo federal e estadual, foi tomada após uma série de ataques contra sedes das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP).
Somente em 2014, ao menos sete favelas, chamadas pelo governo carioca de “pacificadas” por conta da presença da “polícia comunitária” , tiveram ataques contra as unidades da UPP.
Na avaliação da doutora em Ciência Política pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e professora aposentada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Maria Helena Moreira Alves, autora de Vivendo no Fogo Cruzado, que relata a violência policial nas comunidades do Rio de Janeiro, há uma “revolta popular” contra a atuação das UPPs, que é criticada desde o seu princípio por muitos moradores.
“Não é algo que acontece só de agora, elas são atacadas desde o princípio, não por gente armada, mas pela população que sofre, todos os dias, com esse projeto equivocado. Foi algo imposto, nunca se quis”, afirma a socióloga.
Para Maria Helena, os desaparecimentos de Amarildo de Souza e Cláudia Ferreira aumentaram o clima tenso entre as comunidades e as UPPs. “A Cláudia seria desaparecida se não tivesse alguém com um celular. Ela seria mais um Amarildo, mas tinha um celular no caminho.”
Confira a entrevista na íntegra:
Fórum - Por que a senhora acha que as UPPs estão sendo constantemente atacadas nas comunidades cariocas?
Maria Helena - Não é algo que acontece só agora, elas são atacadas desde o princípio, não por gente armada, mas pela população que sofre, todos os dias, com esse projeto equivocado. Foi algo imposto, nunca se quis. Pois bem, se formou um padrão militar de ocupação, com direito à bandeira hasteada e que nos chocou. Quem não se lembra daquela barbárie no Morro do Alemão?
Fórum - A senhora acredita que, realmente, pode haver uma rebelião popular por conta da atuação da UPP nas comunidades do RJ?
Maria Helena - Já está havendo. É isso que estamos vendo. O governo quis fazer parecer que era algo do tráfico, mas não podemos esquecer que há milicianos envolvidos com as UPPs e que o governo do Rio de Janeiro sempre quis que o exército interferisse e ocupasse os morros cariocas durante a Copa do Mundo. A justificativa de que o tráfico está atacando as UPPs é perfeita para uma intervenção do exército.
Fórum - Com a estrutura militar que temos, é possível pensar em uma polícia com o status de "comunitária", como quer o governo do Rio de Janeiro?
Maria Helena - Não, não há a menor possibilidade. Para dar um primeiro passo em direção a isso [polícia comunitária] é preciso mais do que desmilitarizar a polícia, é preciso acabar com a Polícia Militar. Abolir a Polícia Militar. A Cláudia seria desaparecida se não tivesse alguém com um celular. Ela seria mais um Amarildo, mas tinha um celular no caminho.
Fórum - No seu livro, a senhora chega a comparar a ocupação dos morros pelas UPPs à ditadura. A senhora pode explicar quais as semelhanças entre os dois momentos?
Maria Helena - Alguns fatores foram adaptados apenas. O inimigo interno, antes comunista, hoje é o favelado, o morador do morro. Sob a alegação da guerra ao tráfico, se mata muito nessas comunidades hoje. A estratégia militar é muito importante. Na época do militarismo, eram mais torturas do que desaparecimentos, a estratégia era de levar terror ao povo por meio da exposição dos torturados. Agora inverteu-se, os desaparecimentos são cada vez mais constantes, em intensidade tão alta que, aliada à tortura praticada nas UPPs, está provocando essa revolta popular.
Fórum - A rejeição carioca à UPP é só nas comunidades ocupadas ou é um senso comum no Rio de Janeiro?
Maria Helena - Está começando a mudar. O Rio de Janeiro começou a se dividir depois das manifestações, quando a classe média conheceu a violência policial, que os pobres já conheciam. E hoje temos ainda, no Rio de Janeiro , a onda dos justiceiros que acham que "bandido bom é bandido morto". Mas há uma tomada de consciência em avanço, que está permitindo um debate sobre o trabalho da UPP e começamos a ver uma rejeição a ela.
Fórum - A senhora considera que a UPP é um modelo que fracassou? A senhora acredita que após os megaeventos esse modelo de polícia continua?
Maria Helena - A UPP já nasceu como um modelo fracassado. Acho que é um modelo que não tem retorno, infelizmente. Acredito que, mesmo após Copa do Mundo e as Olimpíadas, ela vai continuar existindo.
Foto de Capa: Mídia Ninja