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Dos simbolismos produzidos pelos protestos em São Paulo, a manifestação diante do Palácio dos Bandeirantes talvez seja um dos mais fortes
Por Glauco Faria
Palácio dos Bandeirantes. O termo “palácio”, em um dicionário, pode significar “Residência (ger. grande, imponente ou luxuosa) de rei, governante ou pessoa de alta hierarquia” ou “sede, local principal de reunião e decisão”.
Pois este palácio combina esses dois significados. É sede de governo, mas também é residência do governador. Seu atual ocupante não fez como o presidente Jose Mujica, do Uruguai, que abriu mão de morar na residência oficial do presidente da República. A bem da verdade, isso não é hábito nem por aqui nem na maioria dos países. Mas esse lugar, no qual reina – ops, governa – e mora a autoridade máxima do estado de São Paulo tem uma origem que merece ser conhecida.
O Conde Francisco Matarazzo, membro de uma das famílias quatrocentonas de São Paulo e que dirigiu as Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, durante algum tempo o maior complexo industrial da América Latina, idealizou a criação de uma instituição de ensino superior, nos anos 50, de economia e administração de empresas.
[caption id="attachment_25680" align="alignright" width="360"] Manifestantes na ponte estaiada, em São Paulo (Mídia Ninja)[/caption]
A construção se iniciou em 1955, mas nos anos seguintes emperrou por problemas financeiros. Naquela época, como hoje, os entendimentos entre elite econômica e política se davam de forma conveniente às partes envolvidas. Por isso, o imóvel foi desapropriado em 1964, por Adhemar de Barros, governador de São Paulo e, em 1965, houve a transferência da sede do governo do Palácio (sempre um palácio) dos Campos Elíseos para o novo prédio. Após reformas promovidas por Abreu Sodré em 1970, se tornou sede definitiva do governo.
O lugar é suntuoso. Claro, um palácio. São 21.153 metros quadrados e três pavimentos com materiais nobres como mármore e granito. Em volta, um jardim de 90 mil metros quadrados. Mas não basta ser palácio. É “dos bandeirantes”. Aqueles mesmos que capturavam escravos, usurpavam terras, e dizimaram povos. Não é preciso ir muito longe para ver que, pela sua história e pelo que representa, é um lugar símbolo da exclusão e da desigualdade.
Ontem, manifestantes chegaram até lá para protestar e alguns tentaram derrubar o portão do Palácio. A Polícia Militar reagiu. Era preciso defender o palácio. Se o palácio serve como sede de governo e residência oficial, pressupõe-se que seja pelo fato de que o governante que ali mora está à disposição 24 horas para o serviço. Afinal ele mora onde trabalha por isso. Mas qual nada, atender o povo e com ele dialogar parece não ser uma das tarefas do atual morador do palácio.
"O povo que estava na porta se referia aos jovens da periferia, que são os que mais sofrem com a polícia de Geraldo Alckmin. Não há como contê-los e nem o que fazer. São jovens que perderam parentes na mão de policias e tem muita raiva do governador", tentava explicar Matheus Preis, do Movimento Passe Livre.
Em tese, a explicação seria desnecessária, mas muitos não fazem esforço nenhum para entender. São vítimas e familiares de vítimas da truculência policial que aparece nas periferias de forma muito mais intensa, e cotidiana, do que aquela que deu as caras na última quinta-feira, na região central da cidade. Gente cujo único braço do Estado que conhece é o armado, o mesmo que estava lá ontem à noite para afastá-los do centro simbólico do poder. O mesmo aparato policial que se preocupa mais em defender o patrimônio, chegando a soltar bombas para defender vidraças, mas que muitas vezes não hesita em ferir pessoas. O patrimônio parece ser sempre o mais importante.
“É a revolta da periferia”, gritou um. “É a resposta ao Carandiru”, gritou outro. A lembrança do Carandiru não é trivial. Foi um ex-ocupante daquele mesmo lugar o responsável por um dos maiores massacres que o país assistiu. Massacre cujas indenizações para familiares só recentemente começaram a ser pagas, e, mesmo assim, com sentenças que muitas vezes humilham os que ficaram. Massacre que teve um de seus principais personagens, o coronel Ubiratan Guimarães, absolvido pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, composto pelos 25 desembargadores mais antigos do estado. Mesmo órgão, aliás, que enviou um nota de solidariedade à Polícia Militar por conta da agressão sofrida por um policial na última terça-feira. Mas que não se solidariza com tantas vítimas de agressões maiores.
Os protestos que têm ocorrido em São Paulo e em todo o Brasil são repletos de simbolismos. A manifestação em frente ao Palácio dos Bandeirantes é algo que remete a tantas outras injustiças que foram e são cometidas contra aqueles que não têm defesa, mas que querem se defender. Antes de condenar atos extremos como o de tentar entrar em um “palácio” é preciso tentar entender o que eles significam. E, às vezes, eles são só o óbvio diante dentro de um contexto de injustiça que faz parte da história desse estado e desse país.