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Mesmo que se avalie pela impossibilidade de implantação imediata do Passe Livre, ainda assim há que se pensar “fora da caixa” e das imposições do capital
Por Célio Turino, em seu blogue
Houve um tempo em que nos permitíamos pensar para além dos interesses do Capital. Primeiro o bem comum, o interesse público, depois a análise da realidade e a busca de soluções. Isso não era utopia, era busca da realização de sonhos, ou melhor, era busca de justiça e compromisso social. Houve um tempo em que era desta maneira que a esquerda definia políticas para o transporte público e não só.
[caption id="attachment_25157" align="alignright" width="450"] (Foto Gianluca Ramalho Misiti/Flickr)[/caption]
Em 1988 o PT ganhou eleições em diversas capitais (entre as quais, São Paulo) e cidades grandes do interior; eu era filiado ao Partido dos Trabalhadores e, além de candidato a vereador, fui um dos coordenadores da vitoriosa campanha de Jacó Bittar, em Campinas. Acreditem, gastamos apenas US$ 35 mil na campanha eleitoral, feita toda ela com participação espontânea e colaborativa (até as camisetas e placas de campanha eram vendidas aos apoiadores). Ao assumir a prefeitura o prefeito me convidou para trabalhar como coordenador de gabinete e depois como secretário de governo, eu era bem jovem. Agora, era transformar sonhos em realidade, ideias em prática. Transformamos.
O transporte público na cidade estava arrasado, controlado por seis empresas de ônibus que disponibilizavam apenas seiscentos veículos para uma cidade com 850.000 habitantes. Os ônibus eram velhos, sujos e barulhentos, a tarifa defasada, os empresários truculentos. O Brasil vivia mais um congelamento de preços, o Plano Mailson, e que não logrou êxito, como os tantos outros congelamentos à época do governo Sarney (sim, o mesmo que até a pouco seguia como presidente do Senado, mandando e desmandando na política). Mas não podíamos reajustar a tarifa, pois não seria justo com os trabalhadores, que estavam com salários congelados. Como pressão pelo reajuste os empresários retiravam ônibus das linhas, prestando um serviço a cada dia pior. Decidimos intervir no comando das empresas (conforme permitido em contratos de concessão pública) e escolhemos a que prestava o pior serviço, de propriedade do presidente da associação de empresários de ônibus. Foi uma operação de guerra. Com isso conseguimos melhorar um pouco a qualidade do transporte, além de conhecer melhor a composição de custos. Ao final negociamos a devolução da gestão da empresa e firmamos um pacto para melhora dos serviços.
Durou pouco. Os empresários seguiram com a pressão por reajuste e o secretário de transportes, um professor da Unicamp, muito respeitado no PT, concordou com o aumento na tarifa. E o diretório local do partido apoiou a medida, mesmo estando o Brasil sob congelamento de preços. Lembro-me bem da data, pois estava sob licença paternidade, acompanhando o nascimento de minha primeira filha, foi em 31 de julho de 1989. Não concordava em ceder àquela pressão dos empresários e interrompi minha licença. Após conversa com o prefeito, ele revogou o reajuste. O secretário de transportes, em protesto, pede demissão junto com toda sua equipe e publica uma carta contra o desmando do prefeito (voltar atrás no reajuste da tarifa de ônibus). O diretório local do PT sai em apoio ao secretário, protestando contra o abuso do prefeito Jacó Bittar, que revogou o reajuste da tarifa (isso mesmo). Em seguida, a quase totalidade dos secretários, todos indicados pelo PT, pedem demissão do cargo em solidariedade ao secretário de transportes e, junto com eles, todos os demais petistas que ocupavam cargos em comissão, creio que uns 200 (isso mesmo). Apenas eu, o chefe de gabinete do prefeito e mais dois ou três dirigentes de autarquia e sem filiação partidária, permaneceram no governo (isso mesmo). Foi uma crise, como se pode imaginar. Os empresários, aproveitando-se da situação de desgoverno, promoveram um locaute nos transportes. De um dia para o outro, Campinas fica sem transporte coletivo (isso mesmo). E, ao invés de acontecer uma trégua na disputa política entre prefeito e diretório municipal do PT e secretários, o embate se agravou. Nem mais aconteciam reuniões de diretório, mas assembleias partidárias, com centenas de pessoas. Pauta: o prefeito não respeitava comando do diretório municipal do partido (que defendia aumento da tarifa de ônibus, mesmo em situação de congelamento de preços), os secretários de todas as pastas exigiam maior autonomia de gestão (pois se o prefeito havia revogado uma decisão do secretário dos transportes, poderia agir da mesma forma com outros) e volta do secretário dos transportes para que o mesmo pudesse reajustar a tarifa e reabrir negociação com os empresários que estavam praticando locaute.
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