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Fiel do Santa Marta lança CD com referências que vão de Paulo Freire a Eduardo Galeano, questionando as UPPs e a ação da polícia
Por Rogério Daflondo, do Canal Ibase
Se alguém acredita que a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) deve ter uma análise crítica, até para qualificá-la, deveria ouvir o terceiro CD do rapper Fiel, artista do Morro Santa Marta. O nome do álbum, “Pedagogia da dominação”, já é um significativo abre-alas do que vai passar nas vinte faixas do trabalho. O termo foi criado pelo educador e filósofo Paulo Freire (1921-1977), que diz que “A pedagogia dominante é a pedagogia das classes dominantes”.
A vida de Fiel está nesse espírito. Em 2010, ele pôs em xeque a abordagem policial no Santa Marta ao criar uma cartilha sobre como um PM deve se portar diante de um cidadão. A cartilha, diz ele, pode ter provocado a sua prisão. Soldados da corporação desligaram o som de um evento que ele promovia no bar de seu sogro e o levaram.O som de Fiel é assim mesmo, repleto de ricas referências. De repente, em meio ao seu discurso rítmico de rimas e poesias, surge, por exemplo Zé Ketti: “Podem me prender/ podem me bater/Podem até deixar-me sem comer/Que eu não mudo de opinião/Daqui do morro eu não saio não, daqui do morro eu não saio não”.
- Eles exorbitaram. Sofri perseguição justamente por ter criado a cartilha – diz o rapper.
Nela, Fiel fez um texto com tópicos bem diretos, à semelhança de suas letras: o que podem e o que não podem fazer os policiais; constituição federal; com mandato e sem mandato; e como denunciar”.
Fiel, contudo, não se limita a questionar as ações policias da UPP. As intenções do governo do estado também o inspiraram a provocar um debate mais profundo sobre a favela.
[caption id="" align="alignright" width="300"] Capa do CD "Pedagogia da Dominação". Foto: Divulgação[/caption]
- Aqui no Santa Marta, o governo do estado quer tirar as casas do alto do morro, sob alegação de que lá é área de risco. Os moradores lá de cima já apresentaram um contralaudo de engenheiros, mostrando que a área é segura. Aqui, as pessoas estão mais conscientes – diz ele.
Fiel acredita que a informação é um antídoto contra a manipulação. Planeja com outros moradores do Santa Marta uma revista sobre as favelas. Na música, ele informa com suíngue e boa voz. Seu CD conta com a participação lúcida de Marcelo Yuka, consagrado compositor de letras de forte cunho político e social. O fragmento de entrevista com ele tem pouco mais de um minuto. E diz muito: “Não chamaria essa ação (da UPP) de pacificadora. A polícia não é prefeito nem administrador de uma comunidade. Isso não existe em nenhuma constituição, pelo menos no Brasil”.
O universo do CD é amplo. Entre as 20 músicas, detalhes curiosos da área de Fiel. Ele retrata os 788 degraus para se chegar ao topo do morro, homenageia “as minas do STM” (Santa Marta) e finaliza o disco com a utopia de Eduardo Galeano. Diverte e leva à reflexão.