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Primeiro dia do julgamento contou com testemunhas de acusação confirmando a ação violenta da polícia e a modificação da cena do crime
Por Igor Carvalho
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Um sistema que não funciona
O primeiro dia do julgamento de 26 réus do Massacre do Carandiru terminou. Foram ouvidas ontem cinco testemunhas de acusação, outras nove foram dispensadas. Hoje (16), as testemunhas de defesa darão seus depoimentos e a expectativa é por conta do depoimento de Luiz Antônio Fleury Filho, governador do Estado de São Paulo na época.
Das cinco testemunhas que depuseram ontem, três eram presos, mas apenas um deles optou por depor com os réus presentes no plenário. Foi Luiz Alexandre de Freitas, que ainda tem 15 anos para cumprir dos 38 a que foi condenado.
Freitas provocou um dos momentos mais tensos do dia ao apontar o sargento Wlandekis Antônio Cândido Silva como um dos policiais que estavam no Carandiru. O militar, que estava sentado com os demais réus, se levantou e foi identificado. “Um japonês cheio de estrelas disse que eu poderia ir embora pois lembrava o filho dele.” Porém, Silva não é japonês.
Freitas, que é soropositivo, afirmou que contraiu o vírus HIV no dia do massacre. “Me escondi embaixo dos cadáveres para não morrer”, lembrou a testemunha. O depoente tinha uma ferida aberta por conta de uma baionetada que levou de um policial que queria descobrir se ele se fingia de morto.
Perícia controversa
A advogada dos 26 réus, Ieda Ribeiro de Souza, foi enfrentada por outra testemunha, o ex-presidiário Marco Antônio de Souza, também vítima de policiais no dia 2 de outubro. A discussão começou quando a advogada informou dados do processo e o juiz José Augusto Nardy Marzagão a repreendeu. “A senhora deve perguntar, doutora, não informar.” Contrariada, Ieda seguiu com a informação de que a perícia havia indicado que não existia sangue próximo ao elevador do 2º pavimento, fato afirmado pelo depoente.
Imediatamente, Souza se dirigiu à advogada e disse: “Eu estava lá e vivi isso, tinha sangue.” Ieda lhe perguntou se “o perito estava errado”, a testemunha então respondeu: “Sim, senhora.” O promotor Fernando Pereira da Silva informou que Souza, que foi condenado por cometer um assalto simulando portar uma arma de fogo, cumpriu sua pena de 5 anos e 4 meses no sistema fechado, mas que foi estipulado que deveria cumpri-la no semiaberto. O depoente alegou que desconhecia essa informação.
Souza foi alvejado por um tiro no pé e teve outras escoriações decorrentes de agressões dos policiais no trajeto de seu pavilhão até o pátio. A testemunha ficou um mês em tratamento após o massacre, entregue aos cuidados do médico Drauzio Varella.
“Todos viram o fuzilamento”
O diretor da Divisão de Segurança e Disciplina do Complexo do Carandiru, na época, era Moacir dos Santos, que depôs na presença dos 24 réus. O agente carcerário trouxe informações importantes sobre a independência dos policiais na ação.
Santos começou seu depoimento afirmando que não houve rebelião no Carandiru, apenas um “acerto de contas entre ladrões”, rechaçando a possibilidade de intervenção policial para conter um motim dos presos.
Em seguida, a testemunha detalhou a chegada das autoridades ao local. Segundo Santos, no momento da invasão, estavam presentes o coronel Ubiratan Guimarães, o coordenador dos Estabelecimentos Penais de São Paulo, Hélio Nepomuceno, os juízes corregedores Luiz Augusto San Juan França e Fernando Antonio Torres, além do assessor de assuntos penitenciários da Secretaria de Segurança Pública, Antonio Fillardi Luiz.
Segundo Santos, a decisão de invadir não partiu de nenhuma das autoridades que estavam no local, que planejavam uma forma de conversar com os presos. “Quando abriu [o portão] tudo que planejamos foi por água abaixo, porque eles [Rota] invadiram.”
O agente carcerário explicou que as primeiras execuções ocorreram logo após os policiais “arrombarem” o portão de acesso entre a galeria e o pavilhão 9, quando oito presos correram em direção aos militares se rendendo. Segundo Santos, os policiais fuzilaram os presos. O juiz Marzagão perguntou se as autoridades presentes assistiram a cena. “Todos viram”, respondeu a testemunha.
Santos confirmou que o número de mortos foi 111. O diretor lembrou que nos cinco anos em que trabalhou no complexo do Carandiru só confiscou um revólver, refutando o argumento da defesa a respeito da possibilidade dos presos portarem armas de fogos no momento da invasão.
Presos não estavam armados
Outra testemunha a afirmar que os presos não estavam armados foi o perito Osvaldo Negrini Neto, responsável pelo laudo no presídio. O depoimento do perito demorou quase três horas e encerrou os trabalhos no Fórum Criminal da Barra Funda.
Durante seu depoimento, o perito repetiu várias vezes que a Polícia Militar violou a cena do crime, movimentando os cadáveres e desaparecendo com pelo menos 200 cápsulas deflagradas. Neto reclamou que só teve acesso ao local do crime depois de duas horas de espera. A testemunha só conseguiu entrar no Carandiru escondido, no carro do delegado da 9º DP.
Nas cenas descritas por Neto ele usou expressões como: “cascata de sangue”, “enchente de sangue” e “quantidade imensa de corpos empilhados.” O perito não acredita que os presos estivessem armados e afirmou que nenhum tiro partiu de dentro das celas.