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Artigo questiona o perfil da dívida brasileira, o futuro da economia e dá como exemplo saudável as hipotecas dos Estados Unidos, que originaram a crise mundial de 2008
Por Jorge Mattoso, na Carta Maior
O artigo do Wall Street Journal publicado no dia 9 de outubro no Valor Econômico (“Dívida dos brasileiros é alerta para outros países emergentes“) poderia ser considerado como uma piada, não fosse a importância de ambos os jornais e o impacto que podem ter sobre parcela da opinião pública.
A partir da postura correta de Dona Odete Meira da Silva, que depois de algum endividamento passou a evitar a sua ampliação, buscando assegurar os pagamentos dessa dívida para que pudesse depois terminar a construção de sua casa (ainda que isso tenha que “ser feito pouco a pouco”), o Wall Street Journal questiona o perfil da dívida brasileira, o futuro da economia e dá como exemplo saudável as hipotecas dos Estados Unidos.
Se fosse uma matéria humorística não precisaríamos lembrar ao casal de jornalistas que foi exatamente o pouco saudável sistema de hipotecas norte-americanas (subprime) que gerou em 2008 a maior crise mundial desde os anos 1930. Mas – felizmente – o Brasil não o tinha como exemplo, o que permitiu que construíssemos um sistema financeiro mais sólido, com maior controle fiscal, criando um mercado interno em contínuo crescimento, que permitiu que pudéssemos enfrentar esta crise, iniciada nos EUA e expandida aos outros países, com políticas anticíclicas capazes de reduzir seus efeitos sobre a economia e a sociedade brasileiras.
Mas o mais importante é ignorado pelo artigo. Dona Odete está feliz, crê no futuro - vendo que “as coisas estão melhorando” – e, sobretudo, em nenhum momento se declara inadimplente. Ela e tantos outros brasileiros não confundem endividamento com inadimplência. Enquanto uma simples compra a prazo pode caracterizar endividamento, a inadimplência só acontece se as parcelas não forem pagas.
Ao longo dos últimos dez anos o nosso mercado interno cresceu, o que favoreceu a vida de Dona Odete e de muitas dezenas de milhões de brasileiros, que puderam finalmente encontrar emprego, ver seus salários melhorarem, construir suas casas e comprar produtos capazes de melhorar suas vidas. O mercado interno cresceu favorecido por um conjunto de fatores: o crescimento acentuado do emprego (cerca de 20 milhões), a valorização do salário mínimo real (mais de 70%) e pela ampliação do crédito. Essa ampliação se deu inicialmente através do crédito consignado (cujo saldo total já superava o volume de 191 bilhões de reais ao final de 2012) e depois via conjunto do crédito para a pessoa física e as empresas.
O crédito, que se encontrava paralisado até 2002, dado o baixo crescimento da economia e a estagnação do mercado interno, passou a crescer desde então e auxiliar na expansão do mercado interno. Segundo a ANEFAC, o volume total do crédito para pessoas físicas saltou de cerca de 82 bilhões de reais em junho de 2003 para mais de 715 bilhões de reais em junho de 2013 (crescimento de 766%) [1].
Embora ignorado pela matéria do Wall Street Journal, é importante considerar que esta expansão do crédito no país vem sendo acompanhada do crescimento da renda das famílias, dados o aumento expressivo de emprego e da melhoria dos salários. Em outras palavras, o crédito tem crescido também porque a capacidade de pagamento das famílias permitiu isso.
Neste mesmo período, as taxas de juros para as pessoas caíram de 81,4% para 34,9% (queda de mais de 46 p.p.) e os spreads baixaram de 58,5% ao ano para 24,5%. Tais elementos e seu desempenho, apesar de ainda elevados considerando os padrões internacionais, mostram uma tendência que conjuntamente com a menor taxa de juros do crédito consignado (1,8% ao mês e 23,8% ao ano) favoreceram a queda da inadimplência.
Dona Odete e outros tantos milhões de brasileiros não estão inadimplentes. Pelo contrário, têm demonstrado sagacidade, planejamento financeiro e cautela, tanto que ainda têm apenas cerca de 21% de sua renda familiar comprometida, quando qualquer banco tem como limite para a oferta de crédito às pessoas cerca de 30% de sua renda familiar. Ao contrário do que pensam os jornalistas do Wall Street Journal mas como já foi identificado pelo Banco Central, parte deste endividamento das famílias tem ocorrido devido à expansão do crédito imobiliário, que é algo muito positivo, pois as famílias de Dona Odete e de milhões de brasileiros puderam romper com uma vida de sofrimento e miséria, estão constituindo patrimônio e melhorando sua qualidade de vida.
Sobretudo, Dona Odete e dezenas de milhões de brasileiros têm sido bons pagadores. Tanto que no Brasil a inadimplência geral caiu de 8,8% em junho de 2003 para 5,2% em junho de 2013.
Este processo de redução da inadimplência continua, graças inclusive à preservação do crescimento e do emprego, alcançando 4,8% em agosto de 2013. Segundo os dados mais recentes da Serasa, o número de calotes (inadimplência) teve, em setembro, a quarta queda consecutiva.
A dívida dos brasileiros - relativamente pequena, administrada e com baixa inadimplência - em vez de alerta parece indicar que ainda existe um bom caminho pela frente para a elevação do consumo das famílias, sobretudo se mantidos o crescimento do emprego e da renda e ampliados os investimentos. Para Dona Odete e os milhares de brasileiros que emergiram na última década ao consumo e à cidadania, o maior receio não é do descontrole fiscal e da inadimplência, mas sim o de assistir às sucessivas tentativas de restrição de seu acesso à uma vida melhor sob alegação de que o brasileiro gasta muito e mal.
(*) Jorge Mattoso é economista e consultor. Foi professor do Instituto de Economia da Unicamp, presidente da Caixa Econômica Federal e secretário municipal em São Paulo e São Bernardo do Campo.