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Socióloga Camila Nunes afirma que governos do PSDB nunca foram obstáculo para a organização e questiona se há outros interesses por trás da divulgação de escutas
Por Igor Carvalho
[caption id="attachment_33351" align="alignleft" width="300"] O governador Geraldo Alckmin seria alvo do PCC, segundo o MP-SP(Foto Antonio Cruz/Agência Brasil)[/caption]
Na semana passada, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) divulgou o áudio de interceptações telefônicas que revelam um diálogo, de agosto de 2011, entre dois integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC), sobre o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB). "Depois que esse governador entrou aí o bagulho ficou doido mesmo. Você sabe de tudo o que aconteceu, cara, na época que 'nois' decretou ele (governador), então, hoje em dia, secretário de Segurança Pública, secretário de Administração, Comandante dos vermes (PM) estão todos contra 'nois'", disse o preso Luis Henrique Fernandes, o LH, membro do PCC.
Segundo promotores ouvidos pelo jornal Estado de S. Paulo”, o termo "decretar" significa “decretar a morte”. Para a socióloga Camila Nunes Dias, autora de PCC – Hegemonia nas Prisões e Monopólio da Violência (Editora Saraiva), no entanto, as últimas gestões do governo do estado não foram obstáculo para o crescimento e fortalecimento da facção criminosa. De acordo com ela, há muito “estardalhaço” da imprensa ao divulgar notícias sobre a investigação, que já seriam conhecidas “há alguns anos”.
Camila lembra que foi dentro das prisões que a organização ganhou força, graças à ausência do Estado, que não oferece condições básicas aos detentos. “Não é possível que o governo de São Paulo conseguisse manter pacificada e estável uma população carcerária de quase 200 mil pessoas em unidades hiperlotadas, sem condições básicas de higiene, saúde e nem alimentação decente”, afirma a socióloga, que credita ao PCC o “controle da população” carcerária.
O teor das denúncias do MP-SP e a forma como foram divulgadas na mídia fizeram com que a socióloga levantasse uma questão: “Qual o interesse de transformar o PCC nisso tudo agora? A quais interesses atendem essas revelações?”
Confira a entrevista na íntegra:
Fórum - Qual a sua opinião sobre as recentes revelações feitas pelo MP, entre elas a de que o PCC teria planejado assassinar o governador Geraldo Alckmin?
Camila Nunes Dias - Penso que essas informações, que estão sendo divulgadas com grande estardalhaço nesse momento, são, em sua grande maioria, já conhecidas há alguns anos. Obviamente não se tinham detalhes, mas a presença do PCC nos outros estados e a estruturação da facção, assim como o controle sobre o tráfico de drogas, já eram conhecidos. Veio à tona agora por algum motivo, que não sei exatamente qual é, mas vale a lembrança de que o governador está com a popularidade em queda.
Essa denúncia de que o PCC planejava matá-lo... Achei isso absurdo e sem sentido. De um lado, é óbvio que, se tratando de uma organização criminosa, ela vai ter alvos, entre eles autoridades, e o governador é a autoridade máxima em São Paulo. Mas não foi revelado nenhum plano estratégico, nenhuma articulação ou distribuição de tarefas que justifiquem esse temor. Foi uma conversa dos criminosos, obviamente, há uma edição da conversa, não sei qual o conteúdo completo. Não há razão nenhuma para esse estardalhaço, me parece uma daquelas estratégias políticas para que o governador aumente sua popularidade e saia como herói de algo.
Fórum - Você estudou a estrutura do PCC e sua história. Em algum momento, nessa trajetória, as sucessivas gestões do governo de São Paulo pareceram ser um obstáculo à organização?
Camila Nunes Dias - As tentativas desses governos todos, do PSDB, de frear o PCC nunca foram efetivas e importantes. O PCC surge em 1993, e desde o governo Mario Covas (PSDB), passando pelo Alckmin e [José] Serra, todas as formas de combatê-lo foram inócuas, tanto assim que depois de 20 anos o PCC continua forte e estabelecido. A única medida foi a criação do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), um regime mais severo de cumprimento de prisão, com isolamento do preso, sem direito à visita íntima, com uma hora de banho de sol e 23 horas de encarceramento isolado. Mesmo assim não foi suficiente. Ao contrário do que o governador Alckmin dizia em 2003, quando afirmava que o RDD havia acabado com o PCC, vimos que isso é uma mentira, a década seguinte deixou claro que isso não é verdade.
Nesses últimos anos, tivemos momentos de ruptura e crises deflagradas, tantos nas prisões quanto nas ruas, de criminosos e policiais, que mostram a atuação da organização. Eu me pergunto, e acho que a grande dúvida neste momento é essa: mais importante até do que as denúncias, é saber porque isso tudo está sendo divulgado. No ano passado, o governo afirmava que os pesquisadores e jornalistas estavam “glamourizando” o PCC e que ele não passava de 40 homens, todos presos em Presidente Venceslau. Qual o interesse de transformar o PCC nisso tudo agora? A quais interesses atendem essas revelações?
Fórum - Camila, em seu livro você imputa à ausência do Estado no sistema penitenciário paulista o crescimento do PCC nas prisões. Não é uma contradição o mesmo governo ser visto como o grande opositor da organização?
Camila Nunes Dias - É isso mesmo. É o contrário disso. Se pensarmos o universo do sistema carcerário, e pensarmos a política de encarceramento em massa que vem sendo adotada em São Paulo desde meados dos anos 90, ela só é possível dentro das prisões por causa da existência do PCC. Não seria possível o governo de São Paulo manter pacificada e estável, como está, uma população carcerária de quase 200 mil pessoas em unidades hiperlotadas, sem condições básicas de higiene, saúde e nem alimentação decente. Não seria possível manter essa população pacificada, em condições tão aviltantes, se não fosse o PCC para controlar, e é o PCC quem controla essa população. Isso significa que o Estado exerce cada vez menos o controle sobre o cotidiano da prisão e esse cotidiano da prisão está nas mãos dos próprios presos. Agora, como a investigação está mostrando, só estão ratificando o que pesquisadores falam há muito tempo, 90% das prisões são controladas pelo PCC.